Alimentação insólita: Sete em cada 10 brasileiros comem tubarão sem saber
Aventuras Na História
O Brasil é o maior importador e consumidor de carne de tubarão do mundo. Por aqui, comemos 45 mil toneladas do peixe por ano. E o pior de tudo? Praticamente sete em cada 10 brasileiros não fazem ideia disso.
Os dados alarmantes foram constatados pela Blend, uma agência independente de pesquisa, que foi comissionada pela Sea Shepard Brasil — para isso, 5 mil brasileiros espalhados por todo nosso território foram entrevistados. Os detalhes desse levantamento foram divulgados pela BBC.
Diante desse cenário, você deve estar falando: “Mas eu nunca comi carne de tubarão”. Mas, e a carne de cação, já fez parte de seu cardápio?
Se a resposta for sim, saiba que você faz parte desta estatística.
O consumo deliberado
O comércio do animal é tão prejudicial para a espécie quanto para nós. Para se ter uma ideia, um artigo publicado na revista Nature, em janeiro deste ano, aponta que a população de tubarões e arraias diminuiu em 71% nas últimas cinco décadas — visto que a pesca predatória deles aumentou cerca de 18 vezes.
A procura pela carne se dá por inúmeros fatores, como os preços atraentes, principalmente agora, em tempos de pandemia; ou a falta de políticas públicas no país. Mas o principal ponto, segundo explicam as pesquisadoras Bianca Rangel e Nathalie Gil em entrevista à BBC News Brasil, é a “falta de rotulagem adequada”.
Para Rangel, profissional do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), um ponto que "pode ajudar na preservação dos tubarões" é ajudar na conscientização da população em relação a aquilo que os brasileiros colocam em suas mesas de jantar.
"Em vez de ser embalada com rotulagem adequada, a carne de tubarão é vendida no Brasil normalmente como cação, um nome ambíguo usado para várias espécies", completa Gil, que faz parte da equipe da Sea Sheherd Brasil.
Fator prejudicial
Além da diminuição da população dos peixes, o consumo da espécie pode trazer riscos para nós. De acordo com as pesquisadoras, o fato do animal estar no topo da cadeia alimentar faz com que a toxidade de sua carne seja maior. “Ou seja, existe um risco à saúde para quem come tubarão. E o pior: sem saber disso", explica Nathalie.
No corpo desses tubarões há o acúmulo de metais pesados, como o mercúrio e o arsênio. Consumidos em quantidades exageradas, diz a BBC, as substâncias podem acarretar em problemas cerebrais. Mas como esse produto vem parar em nossas mesas?
Tudo isso se dá pelo fato das barbatanas dos tubarões serem uma iguaria altamente consumida na Ásia. Para se ter uma ideia, a demanda pela carne em si é baixa, mas pelos órgãos externos pagam-se até 8 mil reais pelo quilo.
Dessa maneira, como a grande maioria dos países asiáticos proíbe que se pesque apenas para comercializar tal iguaria, a sobra acaba sendo trazida pra cá.
Possíveis soluções
Um artigo publicado na Science, de autoria de Gil, Rangel e outros três pesquisadores, dão uma luz de como nosso país pode lidar com essa questão.
"No Brasil, embora tubarões protegidos não possam ser legalmente comercializados por pescadores ou empresários locais, eles podem ser importados sem quaisquer restrições".
Além desse ponto, como já dito, a espécie recebe uma rotulagem incorreta, o que faz com que o consumidor não saiba o que está realmente comprando.
"Como resultado, os consumidores no Brasil continuam sem saber que estão comprando carne de tubarão e contribuindo para o declínio de espécies vulneráveis de tubarão", completam.
A solução apontada pelas pesquisadoras pode partir do governo brasileiro, que deveria informar que cação pode “se referir à carne de tubarão”. Além disso, outra medida que pode ser implantada é a rotulagem de produtos com seus nomes científicos, o que contribui com o monitoramento das espécies o com uma compreensão maior da população em relação ao que se compra.
"Como resultado de tais mudanças, a demanda provavelmente diminuiria, limitando o mercado de tubarões com barbatanas removidas ilegalmente (...) Por causa do papel descomunal do Brasil no comércio global de tubarões, essas mudanças podem melhorar muito os esforços de conservação", completam.