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Do kart ao estrelato: Conheça a vida íntima e carreira de Ayrton Senna
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Do kart ao estrelato: Conheça a vida íntima e carreira de Ayrton Senna

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Aventuras Na História
29/11/2024 00h03
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A certa altura de 1964, o barulho do motor adaptado de uma máquina de cortar grama perturbou o silêncio de um antigo loteamento da Rodovia Fernão Dias, na saída de São Paulo, próximo ao bairro do Tremembé, na zona norte da capital. Esse foi o “quintal” onde o pequeno Ayrton Senna, morador daquela região, descobriu, aos 4 anos de idade, sua brincadeira predileta: pilotar kart.

Poderia ter sido somente uma estripulia infantil, substituída adiante por outra traquinagem qualquer. Mas, não. Por ser levada cada vez mais a sério com o passar dos anos, a folia da velocidade pavimentou o caminho de uma vida que, 30 anos mais tarde, entraria para o panteão dos heróis do esporte mundial.

O primeiro veículo da carreira de Senna nasceu das mãos de seu pai, Milton Guirado Theodoro da Silva, carinhosamente chamado de “Miltão”, amante do automobilismo. Dono de uma metalúrgica, ele se aventurou no papel de projetista para presentear o então caçula — o irmão mais novo, Leonardo Senna, nasceria dois anos mais tarde. Juntou algumas fotos para ter referências, providenciou peça por peça e, passados seis meses de trabalho, o kart estava pronto.

Senna quando ainda andava de kart - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

Havia um probleminha técnico aqui, outro ali, de maneira que o carrinho tinha pouca força na arrancada. Mesmo assim, Ayrton atingia 60 Km/h sem esforço. O menino e seu brinquedo não se desgrudaram por cinco anos. Até a chegada de um kart oficial, bonito e aerodinâmico, que havia sido feito para o piloto Emerson Fittipaldi. Após mais alguns anos de prática em locais ermos de São Paulo, o rapaz de 13 anos estava preparado para estrear em seu primeiro campeonato em Interlagos.

Primeiro lugar

Disputando com outros novatos, levou o primeiro lugar — o patamar que voltaria a pisar 80 vezes na mais alta categoria automobilística: a Fórmula 1. Dentre todas as glórias conquistadas ao longo dos 20 anos transcorridos nas pistas profissionais (1974 1994), Senna tinha clareza de qual era seu momento preferido. Numa coletiva de imprensa, um repórter pergunta qual era a disputa que havia lhe proporcionado maior satisfação.

Eu teria que voltar ao período entre 1978 e 1980, quando eu ainda pilotava kart. Eu competia fora do Brasil pela primeira vez como companheiro de equipe de Fullerton. Ele era experiente, rápido e consistente. Um piloto completo. E era pura pilotagem, pura corrida. Não havia política na época. Nem dinheiro envolvido. Era corrida de verdade”, ele afirmou, como mostra o documentário ‘Senna – O Brasileiro, o Herói, o Campeão’ (2010).

Quem conviveu com o atleta garante: mais que um apaixonado pelo automobilismo, ele era um profundo conhecedor de cada mínimo detalhe que integrava essa milionária e glamorosa engrenagem. Do mesmo modo que passava horas nos boxes trocando impressões com os mecânicos de suas equipes — como fazia quando criança e adolescente na oficina que o pai construíra em sua casa —, ou treinando horas extras em voltas incansáveis, também conhecia a fundo os negócios.

Sabia que estava metido numa seara altamente desafiadora, tanto para os nervos quanto para o caráter. “Detalhes de negociações, bastidores, armações de pilotos, chefes de equipes. Coisas que tornam a Fórmula 1 uma fogueira de vaidades, que nutrem muitos egos e queimam bons propósitos”, ele disse numa entrevista concedida ao jornalista Lemyr Martins, autor do livro ‘Uma Estrela Chamada Senna’ (Panda Books).

Carreira bem cuidada

Senna optou por trilhar o bom caminho. Muito bem orientado pela família desde cedo, cumpriu todas as etapas que o levariam à excelência com extrema dedicação e foco. Os mais chegados dizem que ele era obcecado pela perfeição — a ponto de passar a quantidade exata de manteiga no pão de maneira uniforme. Como quis seu pai, foi crescendo gradualmente no esporte.

Ayrton era um verdadeiro prodígio já na juventude - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

Do kart, passou para a Fórmula Ford, desta para a Fórmula 2000, daí para a Fórmula 3. Por trás de cada negociação estava seu empresário Armando Botelho, sócio de Milton e amigo da família. Em todas as categorias nas quais competiu saiu-se vitorioso, destacando se entre os competidores. Seu talento era indiscutível. Assim como sua tenaz entrega ao esporte.

Para se ter ideia, em 1981, ele foi campeão inglês na Fórmula Ford; no ano seguinte, campeão inglês e europeu na Fórmula 2000; e, em 1983, campeão inglês na Fórmula 3. Natural que sua fama se alastrasse, abrindo os portões para a Fórmula 1. Nascido numa família da classe média paulistana, Senna recebeu suporte financeiro e incentivo moral dos pais, Miltonda Silva e Neyde Senna da Silva, para se dedicar ao sonho de infância.

Estudou em boas escolas particulares, era um aluno atento, rápido na aprendizagem. Sua mãe dizia que ele preferia prestar atenção às aulas para não ter que estudar tanto em casa e, assim, aproveitar o tempo livre com o kart. Por mais que, inicialmente, houvesse o desejo de que ele levasse em frente os negócios da família, a paixão somada à teimosia do jovem fez com que seus pais percebessem que seria uma luta perdida de movê-lo de seu objetivo.

Sem dúvida, Senna vem de uma família privilegiada. Então, quando viram que ele queria ser piloto de corrida, não tiveram problema nenhum em apoiá-lo nas primeiras tentativas com karts. Mas seria um grande erro presumir que foi o dinheiro que lhe permitiu entrar na Fórmula 1”, opinou Richard Williams, editor chefe de esportes do jornal The Guardian.

Piloto exigente

O próprio Senna declarou em várias oportunidades quão exigente foi sua batalha para ter seu talento notado. “As coisas não vieram facilmente”, ele repetia. Em 25 de março de 1984, estreou na Fórmula 1 em pleno Grande Prêmio do Brasil, no Rio de Janeiro, pela Toleman, pilotando um carro pouco competitivo, se comparado a outras máquinas mais potentes. Não era esperado que ele vencesse.

Ayrton em uma de suas corridas - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

Tampouco que fizesse algo mágico, beirando o inacreditável, como de fato aconteceu cerca de dois meses depois, no circuito de Mônaco. Pela terceira vez seguida ele largava na 13a posição. Competitivo como sempre, acelerou com a garra costumeira, até ser abençoado por um temporal. Na chuva, sua genialidade se escancarou diante de milhares de olhos incrédulos.

Enquanto os adversários lutavam para se manter na pista encharcada, ele fez diversas ultrapassagens ousadas e foi deixando para trás pilotos experientes como Niki Lauda,Nelson Piquet e Nigel Mansell. Se a prova não tivesse sido encerrada devido ao mau tempo, provavelmente ele teria ultrapassado Alain Prost, em seu possante McLaren Porsche, que acabou levando o primeiro lugar.

Mas, independentemente do desfecho, este foi o primeiro grande show de Ayrton Senna na Fórmula 1. Ao erguer o braço e vibrar dentro do cockpit, ele comemorava o feito, ciente da enormidade do que havia realizado. O destaque na temporada de estreia abriu a passagem para uma nova equipe em 1985: a Lotus. A escuderia tinha boas vitórias no currículo, dentre elas, o título mundial ganho por Emerson Fittipaldi em 1972.

Mais progressões

Ali Senna tinha condições para continuar progredindo. E foi o que fez. Até por que, para ele, não havia outra possibilidade a não ser mirar um desempenho melhor a cada corrida. Em sua segunda disputa pela Lotus, num dia chuvoso em Estoril, Portugal, o brasileiro deu outro show. Só que, desta vez, o espetáculo lhe assegurou o pódio.

“Ele fez uma pole position espetacular, liderou o GP de ponta a ponta e marcou a volta mais rápida. Tudo sob um temporal que levou ao naufrágio 13 dos 26 pilotos que largaram”, escreveu Martins.

Piloto faleceu há 30 anos em um grave acidente - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

Na época, Senna declarou que o êxtase desencadeado pela primeira vitória na F1 foi tão arrebatador que, a partir dali, não havia sentido senão busca-lo novamente.

Sucesso e fama

Àquela altura, o brasileiro começava a sentir o gostinho de ser uma celebridade despontando no rol das estrelas internacionais. Era notória sua capacidade de extrair muito mais do que os carros que pilotava teoricamente poderiam proporcionar. Especialistas dizem que ele sabia a hora de voar e também a de dançar com a máquina que tinha em suas mãos. Até então, ninguém havia corrido daquela forma. Única.

Pela Lotus, Senna faturou o quarto lugar nos campeonatos de 1985 e 1986; e o terceiro, em 1987. Ron Dennis, chefe da McLaren, afirmou na época que, além da habilidade técnica, Senna dispunha de inteligência na pilotagem. E isso era o que fazia de um piloto um vencedor. A mais poderosa escuderia naqueles anos detinha também o passe do melhor piloto: o francês Alain Prost.

De maneira que, quando Senna fora contratado pela equipe para a temporada de 1988, duas feras estariam lado a lado, ou seja, perto demais uma da outra. O que era para ser uma vantagem competitiva, entretanto, acabou gerando um racha dentro da própria equipe. Senna chegava a mil por hora desejoso por conquistar seu primeiro título mundial, especialmente agora que se assentava no carro dos seus sonhos; Prost, bicampeão, viu seu reinado ameaçado pelo competente companheiro de boxe.

Não tardou para virarem desafetos, a ponto de não mais se falarem. Um desgaste descomunal para todos os integrantes da McLaren. E um bocado de pólvora para incendiar a imprensa e o público.

Corrida no Japão

Após a conquista do campeonato mundial de Fórmula 1, em 1988, no Japão, numa corrida digna de filmes hollywoodianos — tamanha a resiliência de Senna ao sair da 16a posição e chegar ao topo do pódio —, ele foi recebido pelo povo brasileiro como o filho amado que a casa torna. Um herói, um guerreiro, um exemplo, uma pessoa incrível, corajosa, humilde, maravilhosa, uma inspiração, um orgulho para o nosso país. Sobravam adjetivos na boca da população.

Além da imagem de “bom moço de família”, Senna declarava abertamente seu amor pelo Brasil, seu respeito pela Bandeira Nacional, por nossas cores e por nossa gente. Também enfatizava a fé em Deus. Uma força maior cuja presença e guiança ele sentia a cada metro percorrido. Tudo isso o deixava mais próximo das pessoas comuns, que o queriam como um filho, irmão ou primo.

Senna e sua equipe durante uma corrida - Getty Imagens

Apesar de viver num meio elitista e de ter conseguido acumular uma fortuna que lhe permitiu comprar jatinho, helicóptero, lancha e mansões, o piloto se manteve distante do estrelismo. Discreto e compenetrado, sabia bem qual era a dura realidade socioeconômica de seu país e colaborava no combate à desigualdade. A situação das crianças desfavorecidas, principalmente, lhe apertava o coração.

De maneira que ele queria se valerde seu prestígio e condição financeira para estruturar cada vez mais meios de auxílio efetivos. Isso veio a acontecer posteriormente, em 1994, com a criação do Instituto Ayrton Senna, dedicado à educação de crianças e jovens, e dirigido pela irmã, a psicóloga Viviane Senna.

Uma estrela no auge

A chegada dos anos 1990 marcou o ápice do seu brilho. Sagrou-se bicampeão mundial e, em  1991, tricampeão. Estava com 31 anos. Foi nesse campeonato que ele realizou o sonho de vencer o GP do Brasil, em Interlagos, em condições heroicas. Era a oitava vez que ele tentava vencer o torneio em sua terra natal. Nada o faria perder a chance.

Estava hiperconcentrado, conseguiu a pole position, partiu na frente e liderou até a 65a volta. Mas, de repente, percebeu que as marchas não obedeciam ao seu comando. Estava travado na sexta. Teria, portanto, que seguir em frente apenas com ela. O esforço físico e mental dessa empreitada o levou à exaustão. Teve que ser removido do carro e quase não conseguiu erguer o troféu no pódio.

Se fosse numa outra corrida até me controlaria mais, mas em Interlagos, com o povo em pé, me ajudando a acelerar, eu não podia jogar a toalha. Tinha de vencer, ia vencer”, ele justificou.

Pelo meio automobilístico, corria o falatório de que Senna era um piloto muito agressivo. Acusavam no de forçar ultrapassagens e, com isso, provocar colisões e acidentes. Ele tinha a defesa na ponta da língua: “Eu tenho minha forma de pilotar. Podem considerá-la arriscada, mas quando eu tiver de ultrapassar vou ultrapassar. Cada piloto tem o seu limite, e o meu é um pouco acima da média”.

Alta velocidade

Para ele, não fazia sentido disputar uma corrida e não aproveitar todas as brechas para ultrapassar os adversários até cruzar a linha de chegada. Prost chegou a dizer, certa vez, que o fato de o oponente acreditar na proteção divina fazia com que ele não sentisse medo de se arriscar além da conta. Senna rebatia, afirmando que sentia medo, sim, como qualquer mortal e estava ciente dos riscos inerentes à alta velocidade.

Outra característica marcante: era firme em suas colocações e, por vezes, esquentado. Não temia dizer o que pensava e defender o que achava certo, nem mesmo às chefias e autoridades da F1. Fora das pistas, Senna era um namorador reservado. Em fevereiro de 1981, chegou a se casar com Lilian Vasconcelos Souza, amiga de infância, mas a união se desfez oito meses depois.

Ao longo da carreira ascendente, teve casos com diversas modelos, brasileiras e estrangeiras, mas nenhum se comparou ao romance com a apresentadora de TV mais célebre nos anos 1980/1990: Xuxa, a Rainha dos Baixinhos. O affair só contribuiu para torna-lo ainda mais amado pelo povo brasileiro.

O historiador Victor Andrade de Melo, docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em História do Esporte, aponta fatores primordiais para a construção do mito que Senna veio a se tornar. Segundo ele, todo país precisa de símbolos para forjar uma identidade nacional, dente eles, heróis que representem a nação. E o Brasil, por ser um país jovem, precisava dessa representatividade entre nós, como também da projeção no cenário internacional.

Senna ganhou diversas corridas na carreira - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

Além disso, no século 20, os heróis deixaram de ser figuras relacionadas à política e ao campo da guerra e passaram a se destacar na cultura, no entretenimento e no esporte.

Senna desponta como um atleta notável por seus feitos. Mas não foi só isso. Três coisas me parecem fundamentais para entender sua projeção: a personalidade dele, que permitiu a proximidade com o público, seu amor ao Brasil e o fato de ele ter brilhado num momento em que a televisão brasileira estava mais estruturada e valorizava o esporte enquanto um assunto nos meios de comunicação”, analisa Melo.

Realidade midiática

Em outras palavras, a realidade midiática dos anos 1980/1990 contribuiu para construir e consolidar a imagem de Ayrton Senna como um herói brasileiro — ainda mais tendo ele se acidentado e morrido em ação. Um final trágico que certamente intensificou a comoção popular e resultou na adoração que perdura até os dias de hoje.

Uma enquete realizada pelo jornal Folha de S. Paulo, divulgada em 23 de abril de 2000, revelou que Ayrton Senna era, naquele momento, considerado o maior herói nacional de todos os tempos para 11% dos entrevistados. Para 12% das pessoas ouvidas, porém, o Brasil não tinha heróis. Getúlio Vargas, que por duas vezes governou o país (1930/1945 e 1951/1954), apareceu em seguida (6%) e, logo depois, Pelé (5%).

Além disso, Senna marca a transição entre duas eras do automobilismo mundial. De uma mais amadora para outra marcada pelo profissionalismo crescente, com forte apelo mercantil. “Ele deixa de ser um esporte de playboys e passa a ser uma modalidade de atletas que negociam grandes acordos financeiros, são representados por marcas e cuidam da sua performance física”, lista e ressalta o especialista em História do Esporte.

De fato, sob a orientação do preparador físico Nuno Cobra, Senna se dedicava a um treinamento rigoroso e com objetivos muito bem definidos, afinal tinha de suportar um estresse agudo ao longo de duas horas de competição e ainda apresentar uma performance excelente.

“Ele cuidou da saúde com o mesmo zelo com que afinava o carro, aprimorando seus reflexos para assimilar todas as reações que o carro projeta nas pistas. Enfim, aprendeu a cuidar do corpo para que cada músculo, cada fibra sua, pudesse responder ao comando do seu aguçado instinto”, detalhou Lemyr Martins.

Sua condição física se tornou invejável: desenvolveu tremendamente a capacidade cardiovascular e aumentou a resistência dos músculos. Resultado: corria 22,4 km em apenas uma hora e meia.

Reta final

Mesmo assim, após o duplo triunfo de 1990 e 1991, o piloto enfrentou uma baixa. Ficou em 4o lugar no campeonato de 1992 e em 2o no de 1993. Estava sedento por um carro mais potente que o da McLaren. Na época, a menina dos olhos era a escuderia Williams, dona da máquina mais moderna e competitiva que, aliás, havia assegurado o campeonato de 1992 para o britânico Nigel Mansell e o de 1993 para Prost (nela, o francês se consagrou tetracampeão e se aposentou).

O piloto Alain Prost em 2009 - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

As portas da Williams, então, se abriram para Senna em 1994. Finalmente, ele tinha um carro altamente veloz, capaz de atingir 384 km/h. Contudo, ainda carecia de ajustes mecânicos. Não estava 100%. O que preocupava e desanimava o brasileiro. Com razão. Havia falhas e instabilidades que precisavam ser corrigidas com urgência. Além disso, novas regras impostas pela Federação proibiam artifícios eletrônicos na engenharia dos carros.

O objetivo era que a competência dos pilotos gerasse o resultado das corridas e não a potência tecnológica das equipes. “Não havia mais sensores determinando ajustes automáticos de suspensão ou controle computadorizado de tração e frenagem”, detalha o jornalista Ernesto Rodrigues no livro ‘Ayrton: O Herói Revelado’ (Tordesilhas). Com isso, a Williams de Senna ficou menos possante que a da época de Prost.

Possível mudança?

Devido à decepção, ele até cogitou se mudar no ano seguinte para a Ferrari. Ninguém poderia prever que, dentro da máquina dos sonhos transformados em lamentos, o ídolo se despediria das pistas e nós, dele, em 1o de maio de 1994. O domingo mais triste de que se tem notícia. Cheguei aonde cheguei porque tive os pés no chão. É importante ter consciência da sua superioridade, mas é bom saber como ela foi construída e de onde veio essa força.

“Usá-la com sabedoria é minha busca mais incessante”, ele confidenciou a Lemyr Martins.

Nosso herói mais veloz também foi o mais centrado. O s dois melhores pilotos das últimas temporadas passaram a defender a mesma escuderia em 1988. Pela lógica matemática, ao bancar o investimento de ter Senna e Prost sob o típico macacão vermelho da marca, a McLaren dobrava as chances de faturar o campeonato mundial naquele ano. Mas faltou os dirigentes computarem os custos emocionais dessa decisão.

A posição de liderança do brasileiro e do francês no ranking de pilotos era proporcional à competitividade que corria em suas veias de atletas. Logo, um não facilitaria a vida do outro. Titãs obstinados, cada qual com seu jeito peculiar de encarar o esporte, eles elevaram a tensão nos bastidores, nas pistas e em frente às câmeras da imprensa a níveis quase insuportáveis.

Prost era chamado de “professor”, pois fazia metodicamente o que fosse preciso para liderar a pontuação. Se em determinada corrida fosse mais interessante ele ficar na quarta ou na quinta posição, levando em conta a matemática geral do torneio, assim seria. Ele também tinha desenvoltura para lidar com a faceta política da F1 e jogava muito bem esse jogo.

Pisando fundo

“Eu sou muito realista, então, quando estou competindo, é isso o que faço”, ele declarou numa entrevista. Senna, por sua vez, era adepto da velocidade pura. Inegociável. Para ele, não havia sentido em formular esquemas que não fossem a entrega máxima ao seu ofício. Era como se entrasse num túnel e, ali, completamente absorto, uma força maior o fizesse acelerar e acelerar.

“Eu entrava num estado muito além da minha compreensão consciente”, declarou. O piloto brasileiro havia ganhado o GP de San Marino, em 1988, e se encaminhava para o mesmo resultado no GP seguinte, em Mônaco, deixando novamente Prost na segunda posição. Mas, na volta 67 de 78, recebeu uma mensagem no rádio mandando que ele reduzisse a velocidade, pois estava muito à frente.

Pego de surpresa, Senna se desconcentrou e bateu numa curva. Estava fora da competição. Visivelmente revoltado. Prost, ao contrário, correu para agarrar o pódio. A partir desse dia, o clima se turvou na McLaren. Na corrida seguinte, a mesma orientação: mantenha se atrás de Prost. Assim foi feito. Mas, ao final da disputa, Senna informou ao seu chefe que não obedeceria mais a esse tipo de ordem.

Dali por diante, ele lutaria por seu espaço de direito com raça e sangue frio. Resultado: ganhou seis das oito provas que se sucederam. Estava ligeiramente à frente. Prost, então, declarou que Senna não se satisfaria em derrota-lo, já que sua intenção era humilhá-lo, provar sua superioridade. “Ele queria mostrar a todos que era mais forte, melhor. E essa era a sua fraqueza”, disse.

Senna, por sua vez, entendia que o rival, em vez de se aprimorar, preferia atacar o oponente para rebaixá-lo. No GP do Japão, de 1988, Senna poderia faturar o campeonato se saísse vitorioso. A pressão sobre ele era tremenda. Após uma largada malsucedida, ele foi parar na 16ª posição, numa recuperação fantástica, logo estava na 8ª posição. Foi quando começou a chover. Em pouco tempo, era o quarto colocado.

Liderança de Prost

Adiante, ultrapassa Prost e assume a liderança. Senna é campeão mundial da F1 pela primeira vez. “Parece que eu tirei toneladas de peso de cima da minha cabeça e ombros”, ele declarou. A temporada de 1989 foi ainda mais acirrada. Os níveis de agressividade se elevaram. Não havia brecha para camaradagem na equipe. Senna dizia que Prost era duro e que queria guerra; Prost dizia que Senna havia sido desleal com ele. Deixaram de se falar.

Para piorar as coisas, o presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), Jean Marie Balestre, francês, apoiava seu conterrâneo e amigo, Prost. E não poupou Senna de suas manobras tendenciosas. A mais gritante aconteceu no GP do Japão, em 1989. Na 46ª volta, Senna tenta ultrapassar Prost, que o fecha. Enquanto o francês estaca, seu adversário não só consegue retornar à corrida como também vencê-la.

Porém, fora desclassificado sob a alegação de que pegou um atalho para voltar à pista. Com isso, Prost foi declarado tricampeão mundial. “Eu não cometi nenhum erro em Suzuka e fui desclassificado. É uma situação lamentável para o esporte e que só reflete o ambiente político e sujo da F1”, bradou Senna, indignado e desiludido com o esporte.

Ele quase foi banido por ter dito tais palavras à imprensa e considerou até abandonar as pistas para sempre. Isso só não ocorreu porque o brasileiro considerou os investimentos da McLaren e ouviu o conselho de seu chefe, Ron Dennis: “Se você acredita que seus valores são corretos e é fiel a eles, então, desistir, quando confrontado por forças sombrias que o desafiam na vida, não é uma opção”.

Por fim, Senna aceitou as condições de Balestre e escreveu um pedido de desculpas ao cartola. O entrevero Senna versus Prost teria ainda um último e lamentável episódio. Em 1990, Senna permanecia na McLaren, ao passo que Prost havia migrado para a Ferrari. Após uma temporada eletrizante, lá estavam os dois, novamente, no GP do Japão, em outubro daquele ano.

O piloto gravou um legado marcante como herói brasileiro - Getty Imagens

Decisão importante

Nesse dia, o título do campeonato seria decidido. Ou seria erguido pelo brasileiro ou pelo francês. Senna detinha a pole position, porém, na última hora, sua posição foi deslocada para o lado menos vantajoso da pista, o que o irritou. Então, ele disse: “Hoje será do meu jeito, não importa o que houver!”.

Largou na frente, Prost forçou uma ultrapassagem por fora, o brasileiro não permitiu que ele levasse a melhor e os dois colidiram, encerrando a disputa entre eles em míseros 800 metros. Por ter mais pontos, Senna ganhou ali o bicampeonato mundial de F1. Entretanto, seu semblante cabisbaixo e abatido denunciava o desgosto pelo que havia acontecido. Prost acusou o rival de ter provocado o acidente para levar o título.

Disse ainda que sentiu vontade de dar um soco na cara dele, pois o brasileiro o enojava. Senna alegou que o choque não passou de uma infeliz fatalidade. Quando se mudou para a Williams, em 1993, o francês impôs uma única condição para assinar o contrato: que Senna não fosse seu companheiro na equipe.

Assim a rivalidade dos dois, depois de muito aumentar a audiência do automobilismo, se eternizou na memória de quem vibrou com cada reviravolta dessa novela.

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