Como os neandertais 'ajudaram' os asiáticos orientais a consumir leite?

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Um novo estudo sugere que uma grande proporção de pessoas do Leste Asiático podem digerir os açúcares do leite graças a variantes genéticas herdadas dos neandertais, hominídeos extintos "primos" dos humanos modernos. Além disso, essas variantes podem ter oferecido uma vantagem evolutiva para os primeiros caçadores-coletores.
Segundo o novo estudo, publicado no dia 10 de março no periódico PNAS, é possível constatar que, em algumas pessoas de ascendência europeia ou africana, o gene da lactase — enzima responsável pela quebra da lactose — perdurou mesmo após os indivíduos serem desmamados do leite materno, o que é um fenômeno conhecido como "persistência da lactase". No entanto, muitas pessoas não consegue continuar quebrando a lactose após a infância, tornando-se assim intolerantes à lactose.
Acredita-se que essas versões do gene da lactase responsáveis pela persistência da enzima tenham surgido entre populações da Europa e da África entre 5 mil e 10 mil anos atrás, em paralelo ao início da criação de animais para, inclusive, consumo de leite.
Por isso, durante muito tempo foi pensado que essas variantes de tolerância à lactose foram selecionadas dentro dessas populações, tendo em vista que poderiam oferecer uma vantagem evolutiva, aumentando as taxas de sobrevivência ao permitir o consumo e absorção de nutrientes do leite por adultos.
Estima-se que cerca de 65% dos adultos de todo o mundo sejam intolerantes à lactose, número que sobe para entre 70% e 100% em populações do leste asiático. Porém, aqueles que conseguem absorver os nutrientes do leite podem conseguir fazê-lo graças a uma herança genética dos neandertais, segundo o novo estudo.
Herança neandertal?
No novo estudo, os pesquisadores compararam milhares de genomas de humanos modernos, incluindo pessoas com ascendência do leste asiático, europeia e africana. Dados foram coletados de indivíduos de diferentes países, como China, Japão, Espanha, Itália e Nigéria, conforme repercute o Live Science.
A partir da análise, os pesquisadores descobriram que cerca de 25% das pessoas com ascendência do leste asiático carregavam consigo versões do gene da lactase que não costumam ser encontradas em populações europeias ou africanas.
Essa proporção, por sua vez, é quase a mesma de pessoas com persistência da lactase; logo, foi descoberto que essas variantes genéticas desencadeiam justamente um aumento na atividade do gene da lactase no corpo.
A primeiro momento, isso pode levantar a hipótese de que essas variantes genéticas também podem ter sido selecionadas ao longo da evolução destes grupos por diferentes razões alimentares. Porém, o que análises posteriores revelaram é algo diferente.
Quando comparadas a amostras de genomas de um neandertal que viveu nas Montanhas Altai, na Sibéria, há cerca de 120 mil anos, as amostras do leste asiático apontaram que, provavelmente, essas variantes que permitem a digestão da lactose provavelmente foram herdadas por caçadores-coletores de neandertais, como resultado de cruzamentos entre os dois grupos.
Vale mencionar que já é de conhecimento da comunidade científica hoje que os neandertais e os Homo sapiens cruzaram-se em diferentes ocasiões, antes de o Homo neanderthalensis ser extinto. Isso possivelmente aconteceu após as duas espécies entrarem em contato após a migração dos Homo sapiens da África para a Eurásia, há cerca de 250 mil anos.
Porém, os novos resultados chamam atenção ao sugerir que as variantes de intolerância à lactose começaram a ser selecionadas entre 25 mil e 28 mil anos atrás, mais de 10 mil anos antes do surgimento da cultura leiteira nas Montanhas Altai. Logo, essas variantes surgiram muito antes de os indivíduos da região começarem a consumir leite regularmente.
Então, para determinar que outras vantagens essas variantes poderiam oferecer, os cientistas vasculharam um banco de dados que registrava a atividade genética em diferentes células, e acabaram descobrindo que as variantes do gene da lactase vistas em pessoas do leste asiático alteraram, também, a atividade de três genes em células imunes, fazendo-as se expandirem em número.
Com esse resultado, os autores do estudo acreditam na possibilidade de essas variantes terem sido selecionadas pois, de alguma forma, impulsionaram a capacidade dos antigos caçadores-coletores do leste asiático de combater infecções.
"Os neandertais — que habitaram a Eurásia por aproximadamente 400.000 anos — provavelmente carregavam alelos [variantes genéticas] adaptados a patógenos locais e desafios ambientais", explica Shuhua Xu, professor de genética populacional humana na Universidade Fudan, na China, e coautor do estudo, ao Live Science.
Por fim, os pesquisadores concluem que as descobertas implicam que variantes do gene da lactase podem ter sido selecionadas por diferentes razões ao redor do mundo, ocorrendo de formas distintas em populações europeias e africanas — de forma que, talvez, a resposta para a questão sobre a seleção do gene da lactase não esteja somente na capacidade dos grupos de beber leite.


