Especial 25 anos de Symphony of the Night: obra-prima e revolução do gênero
Tecmundo
*Texto originalmente publicado no dia 21/03/2017 para comemoração de 20 anos de Castlevania: Symphony of the Night e repostado dia 22/03/2022 para celebrar 25 anos.
Quantos jogos você pode dizer que fizeram história? Há uma quantidade limitada, mas certamente é maior do que você imagina, ainda mais quando há inserção de novidades que adicionam a um gênero, como a fórmula de Call of Duty. O sucesso pode fazer história. Mas quantos desses são considerados obras-primas dignas de entrar para os melhores da história? Pode ter certeza: Castlevania Symphony of the Night está nesse patamar.
Confesso: é até difícil redigir um especial sem colocar todo o amor que eu tenho por esse jogo e transparecer o quão incrível ele é em cada sentença. Porém, algumas coisas são fatos: quando Koji Igarashi e Toru Hagihara dirigiram o game, eles criaram uma obra-prima atemporal. Um clássico cult (porque o jogo não foi tão bem perto do lançamento) que sobreviveu ao tempo. Tudo isso com uma equipe de menos de dez pessoas na maior parte do tempo de desenvolvimento (que levou cerca de três anos).
Mais do que entregar qualidade, Symphony of the Night revolucionou um gênero. Podem parecer triviais muitas das coisas que você vê durante a aventura, mas tenha certeza: se não fosse pelo título da Konami, talvez várias delas não existissem hoje. Afinal, quem nunca ouviu falar do estilo? Para celebrar 25 anos dessa obra de arte, que atingiu a marca no dia 20 de março de 2017, separamos um especial completo sobre o game e todo o seu impacto para a indústria.
Um novo gênero surge: Metroidvania é o seu nome
Como você deve assumir, a nomenclatura Metroidvania é a combinação de dois jogos: Metroid e Castlevania. Até então, a série da Nintendo era conhecida pelo seu level design caprichado e, principalmente, pelo backtracking e pela estrutura de equipamentos que liberam novas áreas. Em contrapartida, a franquia de vampiros da Konami seguia o gênero de plataforma com aventura, tudo segmentado em missões (bem difíceis, por sinal). Mas tudo mudou em 1997.
A Morte é um dos personagens do game e retira todos os equipamentos bons logo no começo
Quando Symphony of the Night despontou, ele não utilizava mais o sistema de mapas segmentados: tudo agora era conectado. Contudo, esse não é ponto principal deste tópico. A grande mudança veio na introdução de elementos de RPG à fórmula. Veja bem: em 1997, jogos de ação e aventura eram uma coisa e games de RPG eram outra.
Symphony of the Night não se inspirava ou flertava com o outro gênero: o novo Castlevania tinha um relacionamento duradouro e explícito. Espadas, escudos, equipamentos, itens, mana, habilidades especiais (que precisavam de comandos complexos como um Super em Street Fighter) e muitos outros itens que couberam como uma luva em mecânicas já impostas pela franquia.
O título se reinventou na hora certa a abraçou e incorporou com elegância e perfeição tudo o que Metroid havia construído até ali. Dessa forma, a progressão cadenciada da narrativa dependia de itens e habilidades específicas para progredir. Quer alcançar a próxima etapa? É bom encontrar o amuleto que o transforma em morcego para alcançar aquela beirada alta. E pode ter certeza: você encontrava, tudo por conta de um level design que, mesmo sem indicador, guiava os jogadores para onde deveriam ir.
Diálogos inesquecíveis também marcam a experiência
A parte mais interessante é que Igarashi não se inspirou em Metroid na época de desenvolvimento, apesar de se assemelhar muito ao game da Nintendo. Na verdade, foi outro jogo da Big N que chamou atenção da equipe: The Legend of Zelda. Acredite se quiser, mas o time queria construir uma experiência de aventura que oferecesse a exploração e aventura similar às de Link. Essa fonte de inspiração fica clara em alguns momentos da história, como quando você coleta o primeiro escudo e deve utilizá-lo para defender os golpes do chefão que vem logo a seguir. Curioso, não?
Um jogo de 1997 ensinando como se faz level design
Symphony of the Night não tem um indicador de objetivo, mas, se existe um level design que beira a perfeição, é o desse jogo. O castelo do Drácula é tão incrivelmente bem-feito que é praticamente um personagem de fora observando e guiando Alucard. Mesmo depois de zerar uma ou duas vezes, há detalhes e segredos que talvez você não conheça.
A progressão à la Metroid foi a grande sacada de Symphony of the Night. Com o tempo e idas e vindas, cada sala do castelo é como um cômodo da sua casa: marcante, conhecido e familiar. O desenho do mapa se torna parte da sua rotina de jogo, algo facilmente decorável. Mesmo em pontos de confusão, uma breve olhada no mapa ajudava.
Galeria 2
A grande sacada é que o castelo foi particionado em seções bem coerentes, como biblioteca, laboratório e outros locais. Mas a cereja do bolo é como a progressão foi dividida com o estilo de Metroid. Para avançar em certos pontos, você precisava de itens ou habilidades especiais, mas nunca era claro qual delas era necessária para aquele momento. Por conta disso, fazer anotações mentais em diferentes partes do cenário era comum. No final das contas, muitas das passagens liberadas com o tempo garantiam apenas extras.
Essa variedade de itens, equipamentos e habilidades garantia verdadeiras recompensas. O próprio final do jogo era um grande segredo: se você não coletasse os anéis especiais para falar com Maria e ganhar o item “Holy Glasses”, o final do jogo seria uma versão resumida e imprecisa, fazendo com que Alucard derrotasse Richter, um antigo membro do clã Belmont, como se fosse o verdadeiro antagonista da trama. Por um tempo durante a infância, eu achei que esse final “fraco” era de fato o real.
Contudo, assim como muitas outras coisas que só descobri depois, equipar o “Holy Glasses” revelava a artimanha que possuía Richter, criando a possibilidade de salvá-lo e liberar a outra (e bem grande) parte do game: o castelo invertido. E é nesse ponto que as coisas começam a ficar realmente interessantes.
O level design foi tão bem-feito, mas tão bem-feito, que o mapa inteiro (que não é pequeno) funciona perfeitamente bem de ponta-cabeça. Sim, havia desafios e obstáculos no teto o tempo todo e eles fazem total sentido quando invertidos. É outra experiência e incrivelmente brilhante a maneira como ela funciona bem. Para completar, todo esse mapa imenso era recheado de pontos de viagem rápida que ajudam muito.
Exploração em 2D era um conceito estranho e aparentemente "fácil", mas Symphony of the Night provou que a tarefa pode ser complexa quando um level design é concebido de maneira tão genial
Uma ambientação estonteante que fugiu dos padrões
Uma das maiores transformações da franquia com Symphony of the Night foi o próprio estilo artístico. Não em termos de revolução tecnológica, já que o 3D, a sensação da era, foi pouquíssimo utilizado aqui, mas em aspectos artísticos mesmo. O primeiro Castlevania da geração PS1 optou por construir uma atmosfera gótica extremamente bem-feita e coesa em vez de partir para um 3D corrido e difícil de lidar.
Galeria 1
O próprio Igarashi queria retirar o papel dos musculosos e o aspecto mais bruto, dando um tom de elegância, uma ambientação gótica de qualidade e uma atmosfera incrivelmente rica. A responsável por tamanha fidelidade foi Ayami Kojima, que ficou responsável por toda a parte de arte conceitual da obra. A artista foi tão elogiada que trabalhou em muitos outros Castlevanias depois de Symphony of the Night, criando ilustrações incríveis, como você pode ver na galeria acima.
Contudo, não foi só o estilo artístico que trouxe mais maturidade e diversidade à franquia. A própria história, diálogos e conceitos utilizados foram diferentes. Symphony of the Night tinha poucos diálogos, mas muitos deles são marcantes. Até mesmo o Drácula aparece mais humanizado. E quem não se lembra da icônica frase abaixo?
As animações e a apresentação eram incrivelmente bem-feitas, colocando o game, ainda hoje, no patamar de um dos mais belos e impressionantes títulos 2D já feitos. Claro, a pixel art pode não ser um fator que agrade gregos e troianos atualmente (apesar de ainda ser linda), mas na época era algo de cair o queixo.
O que impressiona é a atenção aos detalhes do estilo 2D: a capa de Alucard se movimentava de acordo com a caminhada e as ações do personagem, o protagonista deixava um rastro para trás para adicionar um aspecto místico, as animações de virar e cair eram impressionantes (havia muitos sprites para deixar as ações mais reais e caprichadas) e por aí vai.
Efeitos de parallax sensacionais
Além disso, diversos cenários se beneficiavam de efeitos parallax – várias camadas de fundo que se movimentam em velocidades diferentes – extremamente caprichados. Em alguns locais, até mesmo chuva e outros efeitos especiais foram implementados, algo que deu muito trabalho para a equipe a adicionou pouco ao título, assim como animações únicas que ajudam a criar a imersão do game (você se lembra do ninho da águia?).
Uma das trilhas sonoras mais marcantes da história
Independente da sua idade, você provavelmente deve saber que alguns clássicos dos games são mundialmente conhecidos e atemporais quando o assunto é música. The Legend of Zelda, Top Gear, Sonic e muitos outros títulos têm trilhas sonoras marcantes. Como o próprio nome do jogo implica música (seria precisamente "sinfonia da noite", em tradução livre), era de se esperar que a sonoplastia e as canções teriam destaque.
A grande responsável pelas faixas marcantes de Symphony of the Night foi Michiru Yamane. O destaque aqui é que, por conta da equipe reduzida, a artista teve poucos pitacos e implicações dos diretores. Igarashi explicou em entrevista que o time de desenvolvimento tinha muita confiança uns nos outros.
E o que isso significa? Basicamente, Yamane teve algumas orientações em como compor músicas de chefões e outras coisas específicas, mas na maior parte do tempo foi independente para construir a trilha de cada lugar do castelo com a sua própria visão. O resultado, como você confere em algumas das músicas abaixo, é fenomenal.
A grande sacada é que, com o design conceitual de Ayami Kojima e a composição de Michiru Yamane, Symphony of the Night atingiu um ápice de qualidade tão grande de ambientação e atmosfera que algo muito único foi criado. Muitos instrumentos diferentes foram utilizados e ajudaram a construir o ambiente gótico de forma soberba.
Ainda hoje, Symphony of the Night não é datado
É estranho que um jogo 2D em uma época na qual o 3D estava começando a despontar tenha tido tamanho impacto. É difícil dizer o que torna um game marcante ou historicamente importante na indústria, mas, para mim, trata-se de transcender gerações. Symphony of the Night ao mesmo tempo revolucionou um gênero, foi predecessor de outro e, para colocar a cereja no topo do bolo, utilizou conceitos tão além de sua própria época que fazem com que ele seja interessante e moderno ainda hoje, 25 anos depois.
Apesar de faltar tempo e dinheiro para muitas coisas, como a intro em 3D e o menu simples (o próprio Igarashi disse que o menu era algo básico e apenas para o desenvolvimento, mas não houve tempo para arrumar), Symphony of the Night é atemporal e ofereceu muitas coisas que serviriam de inspirações para outros games.
Sabe aquele conceito de God of War ou o próprio Metroid, em que você é poderoso no começo e se sente um verdadeiro deus só para ter tudo tirado um pouco depois? Esse Castlevania já adotava a prática em 1997 e com uma filosofia forte por trás. Momentos filosóficos e impactantes não faltaram na narrativa, mesmo que fossem simples.
O hardware do PlayStation 1 foi o suficiente para oferecer um ambiente de desenvolvimento capaz de encantar os jogadores com os belíssimos gráficos e trilha sonora, mas muitas pessoas se esquecem da versão de Saturn, que tinha conteúdo extra. Symphony of the Night foi revisitado algumas outras vezes no futuro, recebendo versões para PSP (era secretamente desbloqueado em Dracula X Chronicles) e para Xbox 360.
As ilustrações da franquia, ao longo da história, beiram a perfeição. Symphony of the Night foi especial por trazer uma estética gótica mais intensa que os outros títulos da série
O que tudo isso significou para a indústria?
Nos tempos contemporâneos, jogos bons que usaram a fórmula e que são sucesso de crítica não faltam. Títulos como Ori and the Blind Forest, Outland, Axiom Verge, Song of the Deep e tantos outros acreditaram no 2D formulado a partir de uma receita consagrada lá atrás, no final da década de 90.
Mas isso funciona no 3D também, e referências não faltam – orientais e ocidentais. O reboot de Tomb Raider, por exemplo, assim como Rise of the Tomb Raider têm uma substancial inspiração na fórmula: Lara não possui uma série de recursos e equipamentos no começo, e é necessário coletar esses itens para alcançar áreas antes inacessíveis. Tudo isso em um mundo livre, que pode ser explorado de cabo a rabo a qualquer momento.
A saga Arkham, de Batman, segue a mesma premissa: o morcegão só consegue encontrar determinados objetos e upgrades a partir do momento em que ganha o equipamento certo para isso. Tudo em uma roupagem moderna e estelar, sem perder o toque clássico. Há quem defenda a série Souls dentro dessa fórmula também, pois você só consegue progredir e alcançar novos setores quando fica mais forte – ou regressar a uma seção que antes estava intransponível.
Oras, os Zeldas também são assim: requerem itens-chave para que novas áreas sejam acessadas. Desde o primeiríssimo game, lá em 1986, quando também nasceu o primeiro Metroid, a coisa funciona assim. A segunda jornada de Link, Adventure of Link, trouxe uma dimensão diferente, enquanto A Link to the Past ajudou a estabelecer a fórmula que seria adotada a esmo nas gerações seguintes. Também foi 1986 que deu à luz o primeiro Castlevania. Ano de ouro, hein?
Em 1986, o primeiro Castlevania nasce como um mero "caça-vampiros" que, na verdade, escondia uma fórmula adotada até hoje
E os próximos passos de Igarashi?
Os próximos passos de Koji Igarashi estão canalizados em um sucessor espiritual (independente) cercado de expectativas, tanto por saudosistas quanto por novatos: Bloodstained. Apesar de o charme de Metroidvania ser uma concepção fundamental, a verdade é que, tal como a indústria está agora, o estilo segue escasso no mercado, que viu alguns lampejos, como os jogos supracitados, mas sem o mesmo impacto de outrora.
Bloodstained é aquela chamusca de esperança em uma indústria ditada pelo hype, pelos mundos abertos, pelas tripas esvoaçantes e pelos shooters. Não que isso seja ruim, jamais, mas o fato é que Castlevania está no limbo desde Lords of Shadow 2 (que teve uma recepção mista), e o gênero Metroidvania tem sido pouco explorado. No que depender da Konami, bem...
Ayami Kojima e Michiru Yamane novamente encorpam a equipe de desenvolvimento, então muita gente de Symphony of the Night vai trabalhar em Bloodstained, além do Igarashi. É uma pena que o projeto, nascido no Kickstarter, esteja agendado só para 2018, e sem previsão exata. Mas, no que depender desse talento, que reúne a nata da fórmula, a espera certamente vai valer a pena.
Parabéns pelos 25 anos, Symphony of the Night!
*Esta matéria teve contribuição do redator Bruno Micali