Inventando Anna: por que gostamos de séries e filmes sobre golpistas?
Tecmundo
Há um filão que está se tornando muito popular nas plataformas de streaming: as histórias reais sobre trapaceiros que aplicaram golpes e conseguiram tirar dinheiro de outras pessoas. O sucesso da série Inventando Anna , escrita e produzida pela poderosa Shonda Rhimes (de Grey’s Anatomy e How to get away with murder ) e a popularidade do documentário O golpista do Tinder , ambos da Netflix , fizeram com que muita gente ficasse fissurada nestas histórias sobre pessoas comuns, mas não tão comuns assim.
É de se pensar o que nos atrai a esse assunto dos trambiqueiros, já que boa parte da repercussão em torno destes dois produtos gira em torno deste fascínio. Em O golpista do Tinder , acompanhamos a história de um sujeito israelense que conquistou mulheres de vários países da Europa ao se apresentar como um milionário bonitão, semelhante a um estereótipo do “príncipe encantado”: ele chegava a buscar suas paqueras em aviões particulares.
Já em Inventando Anna , há também uma propensão a querermos tentar entender a fragilidade das grandes corporações, pois Anna Delvey era uma moça jovem e aparentemente ingênua (porém supostamente milionária) que conseguiu enganar bancos e membros da elite americana.
A sedução por este tipo de trama, em minha visão, é conflituosa. Por um lado, há uma espécie de encanto em relação à esperteza dos “pequenos”, ou seja, dos indivíduos como eu e você (por que não?) que conseguiram passar a perna em muita gente – dos mais comuns (como as namoradas do golpista do Tinder) às mais poderosas (como as grandes instituições financeiras, no caso de Anna Delvey).
Tem algo meio de Davi versus Golias, uma matriz bíblica já introjetada na cultura. Quando vemos alguém que engana corporações, as histórias ganham um ar de Robin Hood – não importa que, em 99% dos casos, os golpistas trapaceiem apenas por benefício próprio, sem qualquer intenção de “redistribuir” os seus ganhos.
Por outro lado, a nossa bisbilhotice em torno desses casos pode ter algum toque de perversidade. Há um certo conforto em nos darmos conta de que os enganados foram os outros, e nos regozijamos com a premissa (bem ilusória) do “isso nunca aconteceria comigo”.
Os debates nas redes sociais enquadravam as mulheres engambeladas pelo chamado golpista do Tinder como ingênuas, e muitos comentários giravam em torno de uma espécie de alívio por ser mais espertas do que elas.
Mas a verdade é que o gênero “golpista” não é novo no entretenimento. Por isso, monto uma breve lista para quem quiser mergulhar nas histórias de trapaceiros famosos.
5. O golpista do Tinder (de Felicity Morris, 2022)
(Fonte: Netflix)
Começo a lista, claro, por este hit da Netflix, que segue gerando debate desde que foi lançado. O documentário mostra como o israelense Simon Leviev conseguia seduzir jovens mulheres europeias apresentando-se como um milionário e montando um esquema de pirâmide: ele fazia que as namoradas emprestassem dinheiro a ele, e usava o montante para seduzir outras mulheres com uma aparente vida de luxos. Disponível na Netflix.
4. Inventando Anna (de Shonda Rhimes 2022)
(Fonte: Netflix)
A nova empreitada de Shonda Rhimes é uma série que esclarece em cada um dos seus episódios: tudo o que é contado ali é real, exceto as partes que foram inventadas. Este aviso serve para esclarecer que Rhimes se dá o direito de não ser totalmente fiel aos fatos.
A série parte da reportagem da jornalista Jessica Pressler sobre a golpista Anna Delvey, uma russa que se passava por uma milionária alemã nos Estados Unidos e que foi presa por aplicar inúmeros calotes lançados em amigos e bancos (ela conseguiu crédito colocando como garantia um fundo monetário pessoal que não existia).
A série tem o tipo de entretenimento proporcionado pelas séries de Shonda Rhymes: é altamente viciante e bem contada. Porém, como vários críticos já apontaram, há uma espécie de “endeusamento” sutil da golpista, muitas vezes apresentada como uma sonhadora, ou como uma pessoa que lutava (com nada mais que sua esperteza e, por que não, sua inteligência) para atingir um ideal. Disponível na Netflix.
3. Fyre Festival: Fiasco no Caribe (de Chris Smith, 2019)
(Fonte: Netflix)
Outro pequeno clássico recente sobre narrativas de golpe, o documentário Fyre Festival: Fiasco no Caribe narra também um escândalo envolvendo ricos. O empresário Billy McFarland (que aparece como personagem em Inventando Anna) anunciou um festival de música que aconteceria em 2017 numa ilha paradisíaca nas Bahamas. Ele contratou influencers e modelos famosas e começou a vender ingressos para o festival – o que incluía o translado para o Caribe, hospedagem e alimentação.
Porém, era tudo uma fraude: quando as pessoas chegaram lá, ao invés das acomodações de luxo prometidas, havia apenas um acampamento com colchões molhados e sanduíches embalados, e as atrações musicais não haviam sido contratadas. McFarland acabou condenado a 6 anos de prisão. Disponível na Netflix.
2. A inventora: à procura de sangue no Vale do Silício (de Alex Gibney, 2019)
(Fonte: HBO)
Em 2003, a empreendedora Elizabeth Holmes fundou uma startup chamada Theranos, que prometia desenvolver uma máquina que faria exames clínicos complexos com apenas uma gota de sangue. Ela conseguiu arrecadar um bilhão de dólares em investimentos, mas esbarrou em um problema: a máquina que ela anunciou não funcionava. Em 2022, Holmes foi condenada e sua sentença ainda não foi decretada, mas pode chegar a até 20 anos de prisão.
A história da Theranos foi uma das primeiras a gerar fascínio sobre a cultura das startups e do Vale do Silício, de onde surgem boa parte das tecnologias digitais que prometem mudar a vida das pessoas. A grande questão em torno de pessoas como Elizabeth Holmes é: como alguém consegue convencer tanta gente a investir dinheiro em algo que não existe?
A premissa é tão sedutora que a história da golpista continua gerando frutos: sua história será novamente contada na série The Dropout, do Hulu, com Amanda Seyfried, e em um filme chamado Bad Blood, com Jennifer Lawrence.
A inventora: à procura de sangue no Vale do Silício está disponível na HBO.
1. Prenda-me se for capaz (de Steven Spielberg, 2002)
(Fonte: Netflix)
Se quiser ampliar o escopo para além das novidades, o filme Prenda-me se for capaz, de Steven Spielberg, também conta a história de um golpista da vida real. Frank Abagnale Jr. (vivido no filme por Leonardo Di Caprio) assumiu 8 identidades diferentes e causou um prejuízo de 2,5 milhões de dólares em 26 países.
O mais impressionante é que ele conseguia convencer que tinha diferentes profissões, como pediatra, professor de Sociologia (conseguiu dar aula durante um semestre numa universidade!), advogado e até piloto de aviões na PanAm.
Curiosamente, depois de ser preso, Abagnale fez um acordo de colaboração com a polícia americana e foi solto. Fundou então uma empresa de consultoria que ajuda a detectar fraudes. Disponível na Netflix.