'Première distribution des décorations de la Légion d'honneur': A obra que 'condenou' o artista ao Brasil
Aventuras Na História
O Brasil se lembra de Jean-Baptiste Debret como o artista das pitorescas cenas de rua do reino de dom João VI, com escravos, índios e paisanos em imagens tropicais. O que não se fala muito é como ele veio parar aqui: Debret, como outros artistas da Missão Francesa de 1816, era um apoiador do regime de Napoleão Bonaparte, que caiu duas vezes — primeiro com a abdicação em 1814, após revezes militares, depois, em 1815, com o retorno dos Cem Dias e a derrota final em Waterloo.
Dom João VI aproveitou a situação para trazer bonapartistas ao Brasil, o que não deixa de ser irônico, já que ele próprio era um inimigo de Napoleão que veio parar aqui em 1808 sob a ameaça da invasão de Lisboa. O mais famoso quadro da fase francesa de Debret, A Distribuição das Cruzes, retrata uma inovação do Império Francês.
A Revolução Francesa havia abolido os títulos honoríficos da monarquia. Napoleão, que assumiu o poder num golpe de Estado em 1799 e foi confirmado imperador em 1804, decidiu restaurá-las nos moldes do novo regime, de forma secular e não aristocrática.
Assim foi criada a Legião de Honra da França, que persiste ainda hoje — o líder atual é o presidente François Hollande. A cena, como o nome deixa evidente, é a primeira cerimônia dessa nova organização.
1. Clero de escanteio
A Revolução Francesa, da qual o Império de Napoleão nasceu, era fortemente anticlerical. O próprio Napoleão, por exemplo, tomaria a coroa do papa Pio VII. Talvez por isso a decisão de Debret de jogar para o fundo os religiosos presentes numa cerimônia dentro da igreja. Ou talvez nem tanto: a figura sentada melancolicamente é o cardeal Joseph Fesch, tio de Napoleão.
2. O local
O nome pode parecer estranho para um local tão central na História militar francesa: Les Invalides. O complexo foi criado pelo rei Luís XIV para abrigar veteranos e feridos de guerra, os inválidos. O domo, onde foi celebrada a cerimônia, foi inspirado no da Catedral de São Pedro, em Roma. Hoje, o corpo de Napoleão está sob ele.
3. O juiz
Honoré Muraire, um advogado e político interiorano que entrou em evidência na Revolução Francesa, era o presidente da Corte de Cassação, responsável por rever procedimentos judiciais. Quando Napoleão voltou ao poder em 1815, nos Cem Dias, seria ele a proclamar sua restauração como imperador.
4. O guarda-costas
A exótica figura em roupas orientais é Roustam Raza, um armênio escravizado pelos egípcios, treinado como mameluco (soldado escravo) e dado de presente a Napoleão pelo xeique do Cairo em 1798. Como um homem livre, Raza serviria como guarda-costas do imperador até o fim, se casaria com uma francesa e morreria no país adotado.
5. A medalha
Apesar do título do quadro, a “cruz” da legião de honra não é uma cruz, mas uma estrela. Isso tem um significado importante: a ordem era uma recriação das honrarias do antigo regime, mas tinha um caráter secular. Também podia ser dada a qualquer pessoa, independentemente de ser nobre ou plebeia, diferente das medalhas monárquicas.
6. O terceiro conspirador
Admirador das ideias radicais de Jean-Jacques Rosseau, foi por pouco que o duque Charles-François Lebrun não perdeu a cabeça durante o Período do Terror na Revolução Francesa. Salvo por uma manobra burocrática, seria um dos três conspiradores do golpe de 1799, atuando como terceiro cônsul.
7. O general desprezado
Começando sua carreira na guarda do Palácio de Versalhes durante a revolução, Louis-Alexandre Berthier era um dos generais mais próximos de Napoleão, ganhando os títulos de marechal e vice-condestável — abaixo apenas do imperador. Ainda assim, Napoleão fazia pouco caso dele, chamando-o de “balconista-chefe”.
8. O jurista
Jean Jacques Régis de Cambacérès foi o autor do Código Napoleônico, o primeiro código civil — isto é, conjunto de leis regendo partes da vida privada, como negócios e contratos. No período do consulado, a ditadura militar entre 1799 e 1804, ele foi o segundo cônsul, autoridade abaixo apenas de Napoleão.