‘A Artista da Enganação’: Como Wanna Marchi aplicou um golpe milionário na TV italiana?
Aventuras Na História
Durante as décadas de 1980 e 1990, a televisão italiana era dividida entre milhares de canais pagos que conversavam com públicos nichados. Tudo pelo fato dos preços acessíveis de espaços publicitários, que facilitava o anúncio para qualquer empresário.
Mesmo assim, a relação entre mídia e espectador se tornou algo muito mais irreal e predatório por conta de um nome: Wanna Marchi, considerada a musa das televendas. Ela conseguia transformar qualquer produto um sucesso — por mais enganoso que ele fosse; como cremes que ajudavam a emagrecer.
A história de Wanda
Nascida em Bolonha, na Itália, em 2 de setembro de 1942, Wanna Marchi é oriunda de uma grande e humilde família. Criada ao lado de dez irmãos, desde cedo ela viveu em uma região rural, bem longe dos milhões que ela conquistaria mais tarde — não necessariamente do jeito certo.
Na década de 1960, Wanda conheceu seu primeiro marido, Raimondo Nobile, segundo relata matéria do O Globo, e aceitou ir morar na cidade grande — onde era apenas uma dona de casa. A união, porém, logo se mostrou infeliz, apesar dos dois filhos: Maurizio e Stefania Nobile.
Para conseguir sobreviver, após a separação, a mulher se submeteu aos mais variados empregos, que iam desde esteticista até maquiadora de defuntos para velórios. Em uma dessas preparações para enterros, a mãe do defunto gostou tanto de seu trabalho, capaz de disfarçar o rosto machucado do filho, que lhe deu uma gorda gorjeta.
Com o dinheiro em mãos, Wanda investiu em produtos de beleza e passou a prosperar. Na década seguinte, agora com o apoio da filha, se tornou o grande rosto por trás de televendas.
Nas telinhas, Wanda vendia produtos cosméticos — muitos deles sem nenhuma eficácia, como cremes para emagrecimento — sempre abusando de comentários pejorativos, como ao dizer que quem tinha acne eram as pessoas feias e nojentas, recorda o The Sun. Seus produtos, logo, se tornaram sucesso de vendas.
Um novo ramo
A história ganhou outro panorama quando Wanda e Stefania se juntaram a um empresário ligado ao ramo da adivinhação chamado Mário Pacheco do Nascimento. Assim, Wanda passou a anunciar a venda de horóscopos e até mesmo números para a loteria — a estratégia era dizer que uma clarividente sabia as dezenas que seriam sorteadas.
O público-alvo desse tipo de anúncio eram, principalmente, mulheres idosas, que acabavam convencidas a comprar todos os tipos de produtos, sob alegação de que estes curariam seus vícios em cigarros ou até mesmo tumores e outras doenças.
Embora nada fosse verdade, aponta o The Sun, as vendas não paravam e atraiam cada vez mais um público maior. Mas, caso alguma das clientes mudasse de ideia, elas seriam prontamente ameaçadas.
O fim da má-fé
Em 2001, Marchi ligou para uma senhora chamada Fosca Macron lhe prometendo que, caso um pagamento de 150 euros fosse feito, ela receberia os números vencedores da loteria.
Após ficar em dúvida sobre a veracidade, ela respondeu um “não, obrigada” e desligou o telefone. No dia seguinte, recebeu a mesma ligação e decidiu entrar em contato com a Striscia La Notizia, uma estação de notícias italiana.
Durante algum tempo, repórteres do veículo gravaram as ligações que a mulher recebia e, inclusive, chegaram a pagar o dinheiro solicitado por Wanda. Pelo correio expresso, eles receberam os tais números sorteados.
Entretanto, junto do bilhete, havia um saco lacrado cheio de sais marinhos, que deveriam ser usados em uma espécie de simpatia. Quando Macron não ganhou na loteria, o que não surpreendeu ninguém, ela ligou para reclamar da compra. Marchi, então, disse que ela havia seguido as instruções errado e que o mal estava do lado dela, informou o The Irish Times.
A charlatã ainda disse que o “mago” interno, que na verdade era Nascimento, lhe prescreveria um medicamento contra o “mau-olhado” caso fosse efetuado o pagamento de 2 mil euros. Ao recusar a oferta, Nobile entrou na ligação e começou a ameaçar a mulher.
Você nunca mais dormirá outra vez enquanto viver”, disse, além de lhe desejar “todo o mal do mundo”.
Golpe condenado
Em novembro de 2001, o Striscia la Notizia passou a examinar mais afundo as práticas de negócios do grupo e investigadores financeiros descobriram que o trio havia fraudado mais de 300 mil clientes, o que resultou no prejuízo de mais de 33 milhões de euros em cinco anos.
Em janeiro de 2002, Marchi, Nobile e Nascimento foram presos por fraude. Dois meses depois, passaram a viver de prisão domiciliar enquanto aguardavam o julgamento — que durou entre maio de 2004 e março de 2006. A expectativa é que Wanna pegasse 13 anos de prisão, sua filha 12 e Nascimento apenas 7.
Segundo o promotor Gaetano Ruta, “Vanna Marchi e Stefania Nobile merecem a qualificação de bandidos porque cultivaram o infortúnio dos outros e o venderam, além de falar sobre os números da sorte do loterias”.
Stefania Nobile é um exemplo de covardia porque ela tentou se defender transferindo toda a responsabilidade para os telefonistas que, em vez disso, agiram de acordo com as instruções dos dois réus deste julgamento”, prosseguiu.
Em 3 de abril de 2006, o trio foi condenado a dois anos e seis meses de prisão por conspiração no processo por fraude agravada, além de serem condenados a indenizar alguns das vítimas dos golpes por uma quantia de quase 40.000 euros. No mês seguinte, mãe e filha recebem outra condenação, agora de 10 anos, por associação criminosa, enquanto Nascimento pega dois anos.
Posteriormente, Marchi conseguiu uma redução de pena para nove anos e seis meses, mas acabou sendo liberta em outubro de 2012 — após seis anos atrás das grades. Ela, atualmente, mora com a filha e divide seu tempo entre Milão e a Albânia.
A história de Wanna Marchi e do golpe milionário dado na TV italiana foi retratado recentemente na série documental da Netflix ‘A Artista da Enganação’.