A obra de 1800 que foi renomeada em duas ocasiões
Aventuras Na História
Há mais de dois séculos, uma mulher de origem africana chamada Madeleine habita as paredes do Museu do Louvre, em Paris, na companhia de retratos de artistas como Jacques Louis David, Eugène Delacroixe Théodore Géricault, além de obras emblemáticas como Mona Lisa e A Vitória de Samatrácia.
Na pintura da jovem negra, produzida em1800 pela francesa Marie Guillemine Benoist (1768 1826), a protagonista exibe uma pose ao mesmo tempo altiva e serena e um olhar enigmático, voltado para o espectador.
“A maneira como a bela africana é representada procede de uma construção revolucionária, tanto do ponto de vista artístico quanto do histórico”, descreve trecho do livro ‘Uma Africana no Louvre’ (Editora Bazar Tempo), de Anne Lafont, que resgata a biografia de Madeleine e ressalta a necessidade de revermos esta e outras histórias com base em perspectivas de valorização de personagens negras, da reparação e da decolonialidade.
Exposta no Louvre desde o século 17, a obra francesa mudaria de nome duas vezes. Em 1800, foi apresentada ao público do museu sob o título ‘Retrato de uma Negra’. Duzentos anos depois, em 2000, a pintura de Marie Guille mine foi renomeada pelo próprio Louvre para 'Retrato de uma Mulher Negra', durante uma exposição chamada ‘Retratos Públicos, Retratos Privados’.
E, por último, já em 2019, ela recebe o título atual ‘Retrato de Madeleine’, alterado quando a obra foi selecionada para ser parte da exposição ‘O Modelo Negro – De Géricaulta Matisse’, no Musée d’Orsay, dedicada à representação dos povos de origem africana.
A modelo Madeline
Nesta ocasião, o nome de Madeleine foi um dos destacados na instalação artística do lugar. Anônima por muito tempo, Madeleine foi uma mulher escravizada, nascida provavelmente na Ilha de Guadalupe, e levada para a França pelo cunhado de Marie Guillemine, que era comissário de bordo. Sabe-se, porém, muito mais da artista do que da modelo.
Filha de um funcionário público que faliu nos negócios, foi educada para ganhar seu próprio sustento – algo raro naqueles tempos. Ela e sua irmã estudaram pintura e, logo, estavam entre as três mulheres que trabalhavam no estúdio do Louvre. Poucos anos depois da abolição da escravatura, em fevereiro de 1794, ao escolher retratar uma mulher negra, Marie Guillemine se envolveu em uma questão política e polêmica e se destacou como artista e feminista.
Estética neoclássica
Ainda que sua família não tenha sido abolicionista no século 17, o tempo trouxe à artista a qualidade de ter sido a pioneira no cuidado que teve com a representação de uma mulher negra, sentada de maneira elegante, em posição tradicional de uma mulher branca da mesma época, coerente com as convenções de retrato e da estética neoclássica vigente na França, em 1800.
Não à toa, seu retrato se tornou uma obra chave para novas abordagens na história da arte.
A jovem de pele marrom, delicadamente realçada por sombras escuras, sustenta a pose e ocupa seu lugar num momento da história em que a capacidade de ostentar uma postura digna e reta não era uma situação fácil para as mulheres negras de Paris”, afirma Anne Lafont sobre a biografia que nos presenteia.