A polêmica autópsia do cérebro de John F. Kennedy
Aventuras Na História
Quando John Fitzgerald Kennedy tomou o segundo tiro, que o acertou fatalmente em sua cabeça, a primeira-dama Jacqueline Kennedy lhe acolheu em seus braços até chegarem no hospital Parkland Memorial. Aquele foi último gesto de abrigo e carinho que ela pôde fazer em seu marido ainda em vida.
Seu vestido rosa estava coberto de manchas de sangue e massa encefálica, assim como os bancos do Lincoln Continental — carro aberto em que o presidente desfilava pelas ruas de Dallas.
Ainda em choque por vivenciar aquela terrível cena, Jackie permaneceu orando no chão ensanguentado do hospital até receber a notícia, por volta das 13 horas, de que John havia falecido. O dia 22 de novembro de 1963 jamais saiu de sua memória.
Naquela mesma data, o corpo de Kennedy foi levado para uma autópsia no Hospital Naval Bethesda, em Maryland. O exame começou por volta das 20 horas do horário local e seus resultados causam estranheza até os dias atuais.
A autópsia
Os exames post-mortem do presidente John Fitzgerald Kennedy foram conduzidos por dois médicos: os comandantes James Humes e J. Thornton Boswell, que foram auxiliados pelos especialista em ferimentos balísticos Pierre Finck, do Instituto de Patologia das Forças Armadas. Os resultados foram entregues já na madrugada do dia 23.
A autopsia concluiu que o presidente foi atingido por duas balas; uma entrou na parte superior de suas costas e saiu abaixo do pescoço (na região onde foi feito uma traqueostomia), enquanto a outra o atingiu pela nuca e saiu na parte da frente de seu crânio — esse último projétil teria deixado fragmentos em todo seu cérebro.
Um fato curioso sobre a munição é que não foi encontrada durante a análise, mas sim descoberta em uma maca no hospital Parkland Memorial. Além disso, estava praticamente intacta e serviu como tema de debate na Teoria da Bala Única da Comissão Warren (que explica como um mesmo tiro causou sete ferimentos em duas pessoas diferentes).
De acordo com Vicente Bugliosi em Reclaiming History, cerca de duas dúzias de pessoas, incluindo oficiais militares, estiveram presentes durante a autópsia de Kennedy.
Inicialmente, Humes e Boswell decidiram fazer uma autópsia completa em JFK, mas foram pressionados pelo contra-almirante George Burkley, médico pessoal do presidente, que defendia: "tudo o que precisamos é da bala".
Durante os exames, a equipe médica tirou diversas fotografias — em preto e branco e coloridas — e radiografias da cabeça de John. Os raios-x também revelaram cerca de 40 pequenos fragmentos de bala ao longo da trajetória da bala através da cabeça de Kennedy, sendo dois buracos considerados grandes o suficiente para atraírem a atenção dos investigadores.
Humes e Boswell, então, contataram o especialista em balística de ferimentos, tenente-coronel Pierre Finck, em busca de ajuda. No entanto, Bugliosi aponta que, cansados de esperar, eles removeram os fragmentos e também extraíram todo o cérebro do presidente. O órgão foi colocado em formaldeído para estudo posterior.
O corpo, depois disso, foi colocado de lado para examinar o outro ferimento: o das costas. A equipe, entretanto, teve dificuldades de encontrar o ponto de saída da bala — o que deixou tudo ainda mais curioso é que nenhuma munição havia sido detectada pela radiografia feita no corpo inteiro. Tudo ficou ainda mais confuso quando um agente do FBI informou que o projétil foi localizado em Parkland.
Por fim, a autópsia confirmou que Kennedy havia sido atingido por duas balas: uma nas costas e outra na cabeça — sendo essa segunda um tiro fatal. Além disso, informaram que a primeira munição havia "sido expelida do corpo durante a massagem cardíaca em Parkland", aponta o autor.
As divergências
Em 1991, o aclamado diretor Oliver Stone lançou o filme JFK: A Pergunta Que Não Quer Calar, onde debate as inconsistências da Comissão Warren e da luz às investigações feitas por Jim Garrison. Três décadas depois, Stone voltou a debater as controversas do assassinato de Kennedy no documentário JFK Revisited: Through the Looking Glass (2021).
A produção aponta as inconsistências e divergências na autopsia de JFK. Após a Força Aérea Um deixar Dallas a caminho de Washington, dois médicos que tentaram salvar a vida de Kennedy no Parkland, fizeram uma conferência. Eles eram o dr. Malcolm Perry e dr. Kemp Clark.
Perry, que fez a traqueostomia para ajudar Kennedy a respirar, declarou ter a impressão que o tiro havia ido em direção à parte da frente do presidente: "Havia um ferimento de entrada na garganta", declarou.
Malcolm ainda relatou que JFK tinha um ferimento aberto nos lobos parietal e occipital, ou seja, a parte de trás da cabeça. "A descrição que ele deu era totalmente compatível
com a de um ferimento de saída", aponta Douglas Horne, analista-chefe do conselho para registros militares e autor de Inside the Assassination Records Review Board. Perry teria sido orientado por oficiais da Bethesda a mudar sua versão.
A mudança de versão ocorreu para corroborar com as investigações, que apontavam que apenas Lee Harvey Oswald teria alvejado o presidente. Afinal, caso JFK teria sido atingido de frente, outra pessoa estaria envolvida no crime, o que configuraria uma conspiração.
O patologista forense dr.Cyril H. Wecht também debate a escolha de Humes e Boswell para realizarem a autópsia. "Dois patologistas militares que nunca haviam feito uma autópsia de tiro antes".
Era o nosso presidente, e havia vários ferimentos de bala para determinar os ângulos, trajetória, distância, sequência… E tinha que compará-los com os ferimentos de Connally. Essa era uma tarefa impressionante que exigiria dois ou três grandes patologistas forenses. E aí eles chamam Humes e Boswell", aponta o especialista à Stone.
A dupla chegou a pedir ajuda de profissionais mais especializados, mas os oficiais da Bethesda negaram. O relatório feito por eles apontam diversas inconsistências de evidências, como o local onde Kennedy teria recebido o tiro nas costas.
As fotos
Oficialmente, o fotógrafo responsável pelos registros da autópsia e do cérebro de John F. Kennedy foi John Stringer — que escreveu um livro sobre fotografia médica para a marinha. As fotos do cérebro de JFK estão no Arquivo Nacional e não podem ser reproduzidas ou copiadas; além de só serem consultadas no local por pesquisadores autorizados pela família Kennedy.
Metade dos registros mostram o órgão visto de cima — algo confirmado por Stringer. Mas a outra parte mostra uma perspectiva vista de baixo, da chamada 'visão basilar'; o que o fotógrafo disse que não o fez.
O responsável pelos outros registros seria Robert Knudsen, fotógrafo da Marinha que havia trabalhado com a Casa Branca em 1958. Em seu obituário no The New Tork Times e o The Washington Post, ele é creditado como o homem que fotografou a autópsia de Kennedy — embora, oficialmente, jamais tenha sido, aponta o documentário.
Além do mais, Knudsen jamais foi entrevistado pela Comissão Warren. Somente em 1978, o Comitê Seleto da Câmara colheu seu depoimento — que nunca foi publicado, só caindo em conhecimento público em 1993. Suas falas contradiziam tudo que havia sido afirmado pela Comissão Warren.
Depois da morte de Robert, em 1989, sua esposa foi entrevista pelo Conselho de Revisão
de Registros de Assassinatos. "Ele descreveu para você as feridas que ele viu?", questiona o entrevistador. "Ele disse que todo o topo da cabeça dele [Kennedy] estava destruído", diz a mulher.
A mulher também confirmou que uma das fotos, provavelmente das costas da cabeça, tinha sido severamente alterada — sendo colocado cabelo para cobrir a ferida; algo que desmentir tudo que o governo havia divulgado até então.
Você tem que lembrar que ele era da marinha e sabia que as coisas eram confidenciais. É um estilo de vida. Você não sai tagarelando por aí. Ele trabalhou na Casa Branca porque ele nunca abria a boca", disse a esposa de Knudsen sobre o motivo dele ter guardado o 'segredo'.
Ainda hoje, ninguém sabe especificar quais fotos foram tiradas por John Stringer e quais foram feitas por Robert Knudsen.
O cérebro de JFK
Outra figura é importante na polêmica envolvendo o cérebro de John Kennedy: Saundra Spencer, que trabalhava na Instalação de Anacostia — um centro fotográfico naval, distante do laboratório de Bethesda.
+ Após o assassinato, até o cérebro de JFK foi alvo de perguntas sem respostas
A mulher ficou responsável por revelar as fotos da autópsia, que jamais foram anexadas no registro oficial, aponta Douglas Horne à Stone, que ainda disse que "a única evidência que temos delas é o testemunho de Saundra".
Saundra Spencer ficou bem abalada quando viu as fotos oficiais da autópsia porque ela disse: 'Eu revelei fotos dele [Kennedy] e da família dele por quase três anos, e ele nunca esteve assim. Ele estava horrível naquelas fotos'", relembra Horne.
O autor ainda disse que Spencer chorou diante do Conselho de Revisão de Registros de Assassinatos e de membros do Arquivo Nacional: "Ela disse: 'ele não parecia tão mal nas fotos que eu revelei no domingo. Ele estava bem limpo, bem respeitável'. E em uma das fotos que ela revelou havia um cérebro intacto ao lado do corpo nu do presidente".
O fato, portanto, já é estranho o suficiente, visto que o agente do FBI, Frank O'Neill, disse ao Conselho que faltava mais da metade da massa do cérebro de JFK no momento de sua autópsia.
Através do filme feito por Abraham Zapruder, é possível ver a cabeça de John F. Kennedy explodindo, com pedaços voando para todo lado; e a primeira-dama, Jacqueline Kennedy, sobe na limusine para recolher partes do crânio para entregá-los aos médicos do hospital Parkland Memorial.
É justamente essa cena que levanta outro debate acerca do cérebro do presidente. "Quando você vê as fotos da autópsia do cérebro, eu vi as originais, dá para ver que o cérebro está corrompido, mas que falta muito pouco do tecido", aponta Gary Aguilar, professor clinico de Oftalmologia da UC San Francisco e pesquisador independente do assassinato de Kennedy.
Mas se olharmos o relatório da autópsia do cérebro, o exame complementar do cérebro, diz que o cérebro dele pesava 1,5kg", ressalta.
Em termos comparativos, esse peso é muito acima da média de um cérebro adulto, que pesa por volta de 1,3 quilos. "Cadê todo o tecido do cérebro que voou pela Praça Dealey, que Jackie pegou, que tudo mundo ficou limpando das roupas?", questiona Aquilar.
Oficialmente, existem duas fotos do cérebro de JFK nos arquivos, que foram consultados pelo neurologista Michael Chesser em 2015. "Me pareceu que o cérebro estava deformado. A primeira coisa que pensei é que ele ficou em um jarro com formol por muito tempo".
"Em um hospital universitário o que não falta é cérebro. As autópsias eram muito frequentes. E o cérebro normalmente era guardado para aulas de alunos de medicina. Então não seria difícil achar um cérebro para substituir. Essa seria só mais uma prova de que as fotos do cérebro do presidente que temos nos arquivos podem não ser dele", teoriza o profissional.
Por fim, a única prova que derrubaria qualquer tipo de dúvida, o verdadeiro cérebro de John Fitzgerald Kennedy, desapareceu. O órgão havia sido colocado em um recipiente de aço inoxidável com uma tampa de rosca e enviado para os Arquivos Nacionais. Mas, em 1996, constatou-se que ele não estava mais lá; o sumiço gerou ainda mais teorias e é um grande mistério até os dias de hoje.