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Conheça os planos de Napoleão Bonaparte para invadir o Brasil
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Conheça os planos de Napoleão Bonaparte para invadir o Brasil

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Aventuras Na História
21/12/2024 12h00
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No ano de 1806, o imperador Napoleão I traçava novas estratégias políticas e militares para a França. Um dia, por volta das 20 horas, mandou chamar com urgência ao palácio o ministro da Marinha das Colônias, Denis Decrès, e apresentou a ele a seguinte questão: era mais conveniente invadir o Brasil ou Portugal?

A pergunta atormentava o imperador, conhecido por ser um exímio estrategista militar, mas que, naquele momento, estava em dúvida se seria mais proveitoso para os franceses investirem contra a cidade do Porto ou seguir direto para o Rio de Janeiro.

Napoleão e Decrès pesaram os prós e contras relacionados às duas hipóteses, as condições climáticas, a força das tropas francesas e as condições adversas que seriam enfrentadas na longa investida por meio do Oceano Atlântico, inclusive tempestades ou calmaria excessiva com ausência de ventos, o que atrapalharia a travessia da frota de navios pelos mares.

Pintura do imperador Napoleão Bonaparte - Domínio Público via Wikimedia Commons

Diante de tudo isso, Napoleão acabou optando pela ocupação de Portugal, fato que desencadeou uma série de mudanças no reino português, em especial a transferência da Corte de d. João VI para o Rio de Janeiro dois anos depois. Mas faltou muito pouco para as tropas de Napoleão Bonaparte invadirem o Brasil para um projeto de ocupação plena, conforme explica o historiador Marco Morel no recém-lançado 'O Dia em Que Napoleão Quis Invadir o Brasil' (Editora Vestígio).

A investida contra a colônia portuguesa na América do Sul era uma das opções no xadrez político desenhado na cabeça do imperador: caso invadisse Portugal, ele estaria deixando o Brasil para a Inglaterra — ou vice-versa.

Tratava-se de uma decisão complexa, pois não havia tropas e recursos suficientes para realizar as duas conquistas. Nesse dia, em 1806, Napoleão poderia ter decidido pela invasão ao Brasil — e a decisão esteve por um triz —, porém, acabou optando pela entrada em Portugal no ano seguinte para impor o Bloqueio Continental por toda a Europa, na tentativa de sufocar economicamente a arqui-inimiga Inglaterra.

Planos de invasão

Aquela não foi a única ocasião em que o estadista e líder militar francês cogitou deslocar tropas para a América portuguesa. Durante o período napoleônico, mais de uma dúzia de planos de invasão no Brasil foram colocados sobre a mesa de Bonaparte. Nenhum deles vingou, mas as pesquisas de Morel traçam um curioso e importante mapa histórico do que poderia ter ocorrido caso tivessem sido colocados em prática. 

Foram pelo menos 17 planos entre 1796 e 1808. Todos desconhecidos até então, com exceção do projeto de invasão na Bahia, parcialmente conhecido por historiadores. Eram secretos e ousados. Por isso, permaneceram inéditos nos arquivos franceses", explica o autor. "As autoridades coloniais luso-brasileiras, ao que parece, ignoravam tudo", completa.

Os interesses dos franceses pelos trópicos eram anteriores à era napoleônica. No século 16, pouco depois da chegada dos portugueses, eles já exploravam a costa brasileira, em busca de riquezas, e faziam estudos para uma possível colonização.

Em janeiro de 1504, o navegador e comerciante Paulmier de Gonneville, que vivia em Dieppe, na Normandia, aportou no litoral brasileiro com 60 homens e ficou por aqui durante seis meses. No retorno, levou consigo um indígena carijó. "Há indícios de incursões francesas clandestinas no Brasil antes mesmo de Pedro Álvares Cabral, mas as provas não são conclusivas", ressalta Morel.

No livro, o historiador explica que, ao longo do século 16, os franceses recolhiam adolescentes e crianças pobres, em geral de orfanatos, e os deixavam em vários pontos da costa, sozinhos, esperando que fossem sobreviver, se aclimatarem com os nativos e servirem como intermediários a futuros projetos de colonização. Em 1550, houve uma "Festa Brasílica" em Rouen, norte da França, que contou com a presença de cerca de 50 indígenas, sobretudo tupinambás, levados pelos viajantes para a Europa.

Na chamada França Equinocial (1612-1615), atual estado do Maranhão, os colonizadores fundaram, em 1612, a capital São Luís em homenagem ao rei francês Luiz IX, já falecido na época e chamado de "São Luiz". Outra versão é que o nome é uma reverência ao então governante no ano de fundação da cidade, Luiz XIII.

"Os franceses foram os primeiros europeus a chegar à foz do Rio Araguaia. E só em 1635, depois dessas tentativas frustradas (de colonização), fundariam Caiena (Guiana Francesa), que até hoje faz parte do território francês", explica Marco Morel.

Em 1711, uma esquadra de 15 navios e 6 mil homens, fornecida pelo rei Luiz XIV, ocupou o Rio de Janeiro por cerca de dois meses. "O Rei Sol queria brilhar no Brasil. Era, ao mesmo tempo, uma expedição de guerra contra uma colônia portuguesa e de pilhagem para obter lucros", diz.

Mapa panorâmico que ilustra o cerco francês à cidade do Rio de Janeiro em 1711 - Domínio Público

Tempos depois, na era napoleônica, os planos também envolviam pilhagens para obtenção de altos lucros e todos os meios possíveis para prejudicar a grande inimiga dos franceses, a Inglaterra — aliada de Portugal e Brasil, de onde os ingleses garantiam altas riquezas graças ao comércio e pagamento de dívidas contraídas pela corte portuguesa.

"Napoleão via, na possibilidade de conquistar um território continental Atlântico, um projeto de expansão dos seus domínios por toda a América do Sul, além de ter acesso a uma diversidade importante de matérias-primas para seu Império", explica Victor Missiato, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré.

Apesar de a maior parte dos planos envolverem apenas pilhagens e saques em terra e no mar, atacando navios portugueses que levavam riquezas do Brasil, havia projetos concretos para a ocupação política do território e funcionamento da máquina do Estado, tornando o Brasil uma colônia francesa.

O Brasil passaria a ser uma base central para os planos de expansão napoleônica, pois o imperador francês dominaria boa parte do Oceano Atlântico", diz Missiato.

Na análise do historiador, porém, o eventual sucesso militar francês não alteraria as bases socioeconômicas do sistema colonial que já era praticado pelos portugueses. "É provável que poucas coisas mudariam, pois Napoleão continuava com suas guerras na Europa e não teria condições de priorizar a administração de uma colônia tão grande", argumenta o professor.

"Algumas tecnologias e produtos franceses poderiam chegar ao Brasil com mais facilidade, mas é improvável pensar em uma revolução administrativa e política", completa.

Mesmo assim, havia apoio francês a projetos de independência e até abolição da escravatura alguns anos antes da princesa Isabel assinar a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil, em 1888. "São vários cenários possíveis em caso de uma bem-sucedida invasão francesa. Havia a possibilidade de as capitanias se tornarem países independentes", diz Morel. "E ocorreram propostas de abolição da escravidão em 1799, o que traria consequências sociais imprevisíveis". 

O autor refere-se ao projeto de invasão apresentado, em 1799, ao líder do Diretório da República Francesa, Paul Barras. No relatório de cinco páginas, um dos trechos fazia referência à possível libertação dos cativos no Brasil, em caso de sucesso da empreitada: "E os pobres negros escravos infelizes que estarão em breve do nosso lado, suspirando o amor da liberdade; nós encontraremos entre eles amigos e não inimigos".

Por que não vingou?

Alguns planos de invasão eram superficiais e outros mais elaborados. Os motivos para não serem colocados em prática pelos estrategistas franceses eram diversos: questões táticas, militares, financeiras, definição de prioridades por parte do imperador ou apenas por chegarem à conclusão que a empreitada para conquistar um território longínquo e complexo não valia o custo-benefício.

Napoleão sabia do potencial britânico e, por isso, vacilava na hora de decidir atravessar o Atlântico", justifica Morel.

De todos os projetos napoleônicos, o de maior destaque é o deflagrado em 1798, por suas articulações com um dos episódios mais importantes da História do Brasil: a Conjuração Baiana, também conhecida como Revolta dos Alfaiates.

Organizado pelo capitão Antoine-René Larcher, a ideia era oferecer aos rebeldes baianos todo um aparato de guerra, que incluía tropas, navios e munições. Assim que o comandante da Divisão Francesa erguesse no mastro o sinal combinado, a colônia se levantaria e as tropas se uniriam aos habitantes, tomando a Casa da Moeda, cofres, depósitos e o Arsenal de Guerra.

Caso desse certo e a inconfidência tivesse sucesso, a Bahia poderia tornar-se, na cabeça do capitão, uma República Irmã da França. "Considero o plano da Bahia o mais importante, pois foi o único que teve apoio de setores da população local. O episódio organizado por Larcher, chefe de uma força naval da Marinha de Guerra francesa, continha um plano detalhado de ocupação militar e econômica", conta Marco Morel.

Enforcamento de líderes da Conjuração Baiana - Ilustração de Trípoli Gaudenzi Filho/Secretaria de Cultura da Bahia

O projeto de aliança com os revoltosos, porém, foi vetado por Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, influente diplomata e político que, na época, era o titular do Ministério das Relações Exteriores. O hábil Périgord tinha dois motivos para isso: trabalhava em um acordo de não agressão com Portugal e dava preferência ao expansionismo francês pelo Mar Mediterrâneo. Tanto é que, naquele mesmo ano, 1798, começou a investida napoleônica ao Egito.

Outros territórios

Os projetos também envolviam conquista retalhada de territórios, como o Rio Grande do Sul, que se tornaria uma colônia francesa em um corredor que se estenderia até o Mato Grosso, e até a anexação do Rio Amazonas às conquistas francesas ao norte, na Guiana.

Em todos os casos, os interesses econômicos da corte napoleônica emparelhavam com ações geopolíticas contra a Inglaterra e seus aliados. "Mesmo com diferença de táticas militares, localidades e ocasiões escolhidas, mesmo com perspectivas ideológicas diversas, abolicionistas ou escravocratas, colonialistas ou independentistas, havia este denominador comum nos planos: o comércio. Pacífico ou de pilhagem, o importante era abrir a porteira", descreve o historiador.

Apesar de o foco ser a possível tomada do Brasil, um dos trechos da obra de Morel refere-se ao processo de independência da colônia de São Domingos, atual Haiti. A ex-colônia francesa no Caribe é o único caso conhecido em que os próprios escravizados conseguiram, por meio de uma insurreição, derrubar o sistema escravista local e promover a libertação do país.

Foi a primeira abolição e a segunda independência das Américas, nascendo daí, em 1804, uma nação independente", diz, referindo-se à Revolução do Haiti.

O processo de libertação haitiana teve como principal líder político e militar Toussaint Louverture (1743-1803). Nascido escravizado, Louverture era descrito como um tipo franzino, mas dotado de forte carisma e energia, o que encantava seus seguidores. Chamado de Bonaparte Negro pelos europeus, por causa das suas vitórias políticas e militares, o próprio Toussaint cultivava essa mística. Em correspondência com o imperador francês, colocou-se de um jeito que irritou profundamente Napoleão: "O Primeiro dos Negros ao Primeiro dos Brancos".

Toussaint Louverture - Domínio Público

Embora tenha sido preso pelos franceses e falecido na prisão meses antes da separação do Haiti da França, Toussaint Louverture é considerado um dos heróis da nação. Antes de ser levado preso para a França, pronunciou uma frase que ficou célebre: "Em me derrubando só abateram em São Domingos o tronco da árvore da liberdade dos negros; ele florirá pelas raízes que são fortes e numerosas".

A difícil situação em que se encontra hoje o Haiti, considerado um dos países mais pobres do mundo e mergulhado em um caos econômico e institucional, ajuda a questionar, com fatos históricos, uma velha teoria: a formação política, econômica e social do Brasil teria sido melhor caso o país fosse governado por nações consideradas mais desenvolvidas do que Portugal, na época da colonização.

"É ingenuidade achar que o Brasil seria mais 'civilizado' se colonizado pela França. As colônias francesas nas Américas, África e Ásia dão o exemplo do caráter da dominação", registra o historiador. Morel também destaca que a função básica de uma colônia é fornecer matéria-prima e mão de obra barata.

Entendimento semelhante tem o historiador Missiato, do Mackenzie. Basta ver, segundo ele, que diversas ex-colônias francesas sofrem com severos problemas sociais, policiais e organizacionais. "Ademais, como a era napoleônica não durou muito tempo, haveria um período de reconquistas e, provavelmente, Portugal iria voltar a estabelecer laços profundos de exploração com a sua maior colônia", diz ele.

Segundo Morel, a França pode não ter conseguido o domínio econômico e político que gostaria sobre o Brasil. Mas foi bem-sucedida em uma outra conquista, transformando-se numa espécie de metrópole cultural, sobretudo até as primeiras décadas do século passado. "A França teve bastante prestígio entre nós, mas não muito lucro".

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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