Microplásticos contaminam as profundezas da Antártida há décadas, diz estudo
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A Antártida, por muito tempo considerada um refúgio intocado pela poluição humana, revela um lado alarmante: a contaminação por microplásticos. Um estudo recente, liderado por pesquisadores do Instituto Oceanográfico da USP, demonstra que esses minúsculos fragmentos de plástico estão presentes no organismo de animais marinhos da região há pelo menos quatro décadas.
A pesquisa, publicada na revista Environmental Science & Technology, analisou o conteúdo estomacal de mais de uma centena de organismos coletados entre 1986 e 2016. O resultado chama atenção: quase um terço dos animais apresentava microplásticos em seu interior, principalmente fibras de materiais como poliamida, poliéster e polietileno.
"A ocorrência de fibras na margem continental mais remota do mundo renova as preocupações com a poluição em regiões aparentemente isoladas", escrevem os pesquisadores no estudo.
Um dos achados mais surpreendentes foi a descoberta de uma fibra de polisulfona, um material resistente a altas temperaturas, em um organismo coletado em 1986. Essa descoberta sugere que a contaminação por microplásticos na Antártida é um problema antigo, possivelmente relacionado às atividades humanas na região, como a construção de estações de pesquisa.
A gente sempre esperou que fosse encontrar microplásticos, só não sabia quanto", contou ao Jornal da USP o biólogo Gabriel Stefanelli Silva.
Mas como os microplásticos chegaram a um lugar tão remoto? As correntes oceânicas e os ventos são apontados como principais responsáveis por transportar esses pequenos fragmentos por milhares de quilômetros. Além disso, as atividades humanas nas próprias estações de pesquisa, como o descarte inadequado de resíduos, contribuem para a contaminação local.
"É provável que estejam vindo tanto de atividades de turismo quanto de pesquisa na própria Antártida, porque muitas das bases não têm um sistema próprio para tratamento de efluentes. Essa é uma das origens possíveis, mas há trabalhos recentes que mostram que essas fibras podem ser carregadas por milhares de quilômetros na atmosfera", avalia Gabriel.
O impacto da presença de microplásticos na fauna antártica ainda é pouco conhecido, mas os cientistas alertam para os riscos. A ingestão desses materiais pode causar danos aos órgãos internos dos animais, obstruir o trato digestivo e levar à morte.
Além disso, os microplásticos podem absorver substâncias tóxicas presentes na água do mar, amplificando seus efeitos nocivos sobre os organismos.
"Como profissionais que têm a sorte de trabalhar no campo da investigação polar, devemos humildemente considerar como a nossa própria pegada ecológica impacta o ecossistema antártico", dizem os pesquisadores no estudo.