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O que são os evangelhos apócrifos e por que foram excluídos da Bíblia?
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O que são os evangelhos apócrifos e por que foram excluídos da Bíblia?

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Aventuras Na História
08/03/2025 17h00
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Os quatro evangelhos canônicos – Mateus, Marcos, Lucas e João – reúnem, em 89 capítulos, os principais relatos sobre a vida de Jesus, suas pregações e milagres. Para os cristãos, esses textos são considerados a base para compreender sua trajetória.

No entanto, é pouco provável que tenham sido as únicas versões em circulação na Antiguidade. Ao longo da História, diversos escritos religiosos foram produzidos além dos livros que compõem o cânone oficial da Bíblia. 

Enquanto os evangelhos aceitos pela Igreja se concentram na fase adulta, crucificação e na ressurreição, outros escritos buscaram preencher lacunas e explorar diferentes aspectos da figura que, nos primeiros séculos, já começava a ser envolta em elementos míticos.

Muitos desses textos são chamados de “apócrifos”, termo que vem do grego apókryphos e significa “coisas escondidas” ou “algo oculto”. Com o tempo, a denominação passou a carregar uma conotação pejorativa, associando essas obras a algo duvidoso ou herético. A Igreja, por sua vez, os rejeitou por razões como a falta de ligação direta com os apóstolos ou a origem em grupos dissidentes. 

O cânone bíblico

Professor titular na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do cristianismo primitivo, o historiador André Chevitarese explica que o Novo Testamento, tal como o conhecemos hoje, não existiu nos primeiros quatro séculos do cristianismo. 

“Ele começou a se consolidar apenas a partir do Concílio de Cartago, no final do século IV, e seguiu sendo debatido até o século V. Isso não significa que antes disso não houvesse discussões sobre quais textos deveriam ser considerados verdadeiros sobre Jesus e quais deveriam ser rejeitados”, afirma em entrevista ao Aventuras na História. 

Segundo o historiador, o primeiro grande autor a abordar essa questão foi Marcião, na primeira metade do século II, por volta dos anos 130 a 150. “Ele acreditava que o Deus que criou Jesus não poderia ser o mesmo Deus dos judeus, pois via o Deus judaico como vingativo e parcial, enquanto o Deus de Jesus representava amor e misericórdia".

Jesus Cristo
Ilustração mostra Jesus Cristo com a Virgem Maria e Maria Madalena - Getty Images

Baseando-se nessa visão, Marcião teria selecionado dez cartas de Paulo e o Evangelho de Lucas (modificado para excluir elementos judaicos) como o cânone essencial para compreender Jesus

Ao longo dos séculos II e III, diferentes comunidades cristãs tinham suas próprias listas de textos sagrados, incluindo os textos apócrifos e gnósticos. Para Chevitarese, isso refletia a diversidade de interpretações do cristianismo primitivo, semelhante ao que acontecia no judaísmo, onde diferentes grupos reconheciam diferentes escrituras como sagradas.

A mudança veio quando o cristianismo, especialmente uma vertente que se consolidou como ortodoxa, tornou-se a religião oficial do Império Romano. O Império buscava unidade política, administrativa e militar, e a definição de um cânone único servia para padronizar a fé em todo o território”, ressalta. 

Os 27 livros que compõem o Novo Testamento foram finalmente oficializados a partir do século IV e, “quem não seguisse essa cartilha enfrentava punições, que iam desde perseguições até a morte na fogueira”. 

Jesus de Nazaré

O historiador explica que até o século XVII e XVIII, a existência de Deus era “algo naturalizado”, pois, as pessoas cresciam em comunidades onde a experiência religiosa estava integrada ao cotidiano.

No entanto, a partir do Iluminismo, começou a surgir a tese de que tudo o que existe precisa ser demonstrado. Céu, inferno, reencarnação— tudo passou a exigir provas concretas. Esse princípio também se aplicou à figura de Jesus: para além do Cristo da fé, passou-se a questionar se existiu um homem chamado Jesus de Nazaré.

“A partir do final do século XVIII, estudiosos começaram a buscar evidências arqueológicas e documentais sobre esse homem, o que levou à construção da imagem de um judeu camponês, analfabeto, imerso no contexto do judaísmo do século I. Acreditava ter uma missão e acabou crucificado. Com mais de dois séculos de pesquisa, hoje já se tem um vislumbre mais concreto do que pode ter sido sua vida e quais falas podem realmente ter sido suas, entre tantas que lhe foram atribuídas”, afirma Chevitarese

O Jesus histórico, portanto, se situa nos primeiros anos do século I, e tudo o que foi dito sobre ele posteriormente "já ultrapassa a percepção histórica e entra no campo da fé", conforme conta o pesquisador. "Sua existência é amplamente aceita por historiadores, mas, dentro da teologia, ainda há debates e questionamentos. O que se conhece sobre ele deriva, majoritariamente, dos escritos do Novo Testamento e da literatura apócrifa”.

Não há, por exemplo, muitas informações sobre a infância de Jesus no século I. Os evangelhos canônicos não fornecem detalhes, e os textos apócrifos foram escritos séculos depois. Um exemplo é o Evangelho da Infância de Tomé, escrito provavelmente entre os séculos II e III, que contém diversas histórias sobre Jesus criança, muitas das quais destacam um comportamento temperamental e poderes sobrenaturais.

Além de dar "vida a passarinhos moldados no barro", esse evangelho também descreve episódios em que ele amaldiçoa um menino que o irritou e até ressuscita outra criança.

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Obra de 1850 de James Tissot retrata Jesus com 12 anos / Crédito: Wikimedia Commons via Domínio Público

Essas narrativas, no entanto, refletem mais as crenças e intenções teológicas de seus autores do que fatos históricos verificáveis. A questão central não é apenas a infância de Jesus, mas a construção de uma imagem divina que o coloca como juiz supremo, alguém que desde pequeno já realizava milagres e manifestava tanto benevolência quanto severidade. O que esses textos realmente fazem é reforçar a ideia de um poder que transcende a compreensão humana, misturando mito e história para sustentar a fé”, destaca Chevitarese

Vaticano 

Atualmente, o Vaticano não proíbe a leitura destes textos, mas também não incentiva seu estudo fora de círculos acadêmicos ou especializados. Documentos da Igreja, como encíclicas papais e catecismos, enfatizam que apenas os textos canônicos são considerados "divinamente inspirados". 

Para o historiador, isso ocorre porque “reconhecer esses textos como fontes legítimas de conhecimento religioso poderia sugerir que há revelações importantes fora do cânone bíblico, o que contraria a tradição doutrinária da Igreja”. 

Além disso, a ausência de uniformidade teológica e a origem muitas vezes incerta dessas obras tornam sua interpretação mais complexa, podendo levar a leituras divergentes da fé cristã. 

“Há passagens que poderiam ser interpretadas de maneira diferente. O próprio Evangelho de Filipe menciona Jesus beijando seus discípulos na boca, mas dentro de um contexto que não era erótico”. Assim, embora o acesso a esses escritos não seja vetado, seu uso permanece restrito a estudiosos e pesquisadores, sem recomendação para a prática devocional dos fiéis.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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