Os 78 anos da libertação de Auschwitz: “Ingredientes que levaram à construção de campos ainda existem”
Aventuras Na História
O 27 de janeiro marca os 78 anos da libertação de Auschwitz. Quando o Exército Vermelho chegou aos campos poloneses, que eram comandados por nazistas, somente os enfermos haviam sido deixados para trás. Gravemente feridos e doentes, eles foram largados à própria sorte.
Segundo estima a Enciclopédia do Holocausto, do United States Holocaust Memorial Museus (USHMM), somente no complexo de Auschwitz (o que inclui Birkenau, Monowitz e seus subcampos), aproximadamente 1 milhão de judeus foram mortos pelos comandados pelo Führer — o que representa cerca de 1/6 do total de judeus mortos durante o Holocausto.
Porém, será que após mais de sete décadas de um dos maiores genocídios da história, as pessoas, ainda hoje, possuem real dimensão das atrocidades cometidas na Segunda Guerra?
Será que o crescimento do antissemitismo no mundo, e de outros crimes de ódio contra minorias, podem, um dia, se assemelhar com a brutalidade cometida por Hitler?
Pensando na data, o site Aventuras na História conversou com Carlos Reiss, Coordenador-Geral do Museu do Holocausto de Curitiba. Diante da pandemia do novo Coronavírus, a instituição não abriu as portas, contudo, o trabalho de dar voz aqueles que foram silenciados no passado tem sido feito de maneira virtual.
“O Holocausto é uma ferramenta educativa poderosa para que, por meio das histórias pessoais, possamos transmitir valores: como a tolerância, democracia, liberdade, pluralidade, alteridade, direitos humanos, equidade, diversidade, justiça, resistência, resiliência, o valor da vida, entre outros”, explica Carlos.
Para ele, é importante entender que a memória de qualquer evento histórico é sempre uma construção constante. Em outras palavras, nós não guardamos nem resguardamos memórias, e sim a construímos diariamente.
Assim, é possível fazer conexões com o passado para entender o que acontece no presente e, até mesmo, para desenhar o que pode se desenrolar no futuro.
“Falar sobre o Holocausto precisa estar ligado às narrativas sobre o Racismo (estrutural e intenso), sobre a violência contra a mulher, a LGBTIFobia, a intolerância religiosa, a xenofobia, o Antissemitismo, a outros genocídios, o acolhimento a refugiados, a inclusão de pessoas com deficiência”, diz Reiss. “Universalizar a memória da Shoá é decodificar a tragédia e retirar dela esses valores, que podem ser compartilhados”.
Entretanto, para isso, Carlos acredita que nosso sistema educacional precisa tratar o assunto mais do que um simples “rodapé de livro”, para poder lidar com as “lições que o Holocausto pode nos proporcionar”.
Ele acredita que o tema não deva ser conectado, exclusivamente, à 2ª Guerra Mundial. “A conscientização só vai existir se traçarmos paralelos constantes com a atualidade e desenvolvermos a empatia dos jovens por meio de histórias pessoais. Para isso, precisamos de educadores que compreendam a transdisciplinaridade e como o tema perpassa por tantos aspectos das nossas vidas”, explica.
O antissemitismo
Dados analisados pela Universidade de Tel Avivi em 2018, que foram divulgados em 2019, mostram que, ao redor do mundo, mais de 400 atos antissemitas foram registrados, o que representa uma taxa 13% maior em comparação ao ano anterior.
O índice, inclusive, foi debatido por Moshe Kantor, ativista e fundador do World Holocaust Forum, durante o início das comemorações internacionais do fim do holocausto em Jerusalém no ano passado.
“Os números mostram que o Antissemitismo cresce, e sempre nos preocupa e sempre nos vai preocupar. Porém, o problema é mais complexo do que analisar apenas o crescimento — já que os números do Racismo e dos ódios como um todo também estão crescendo na mesma proporção. É um fenômeno mundial e os dados são alarmantes”, avisa Reiss.
Para o Coordenador-Geral do Museu do Holocausto de Curitiba, o antissemitismo, ainda, se manifesta de muitas formas, não apenas em comentários preconceituosos na internet ou ataques a símbolos judaicos.
“Existem os fenômenos do negacionismo (e não só a negação do Holocausto), do antissionismo (que pode ou não estar vinculado ao Antissemitismo), do neonazismo e dos grupos skinheads. Existe a perpetuação de mitos antissemitas, do judeu subversivo, do judeu conspirador, do judeu pária, tudo se manifestando em formas, fontes e objetivos diferentes”, explica.
Para ele, a negação e a manipulação da História e da Ciência têm sido analisadas a olho nu e se misturam com questões políticas e econômicas, de cunho nacionalista e racista. “O negacionismo não é um ‘privilégio’ nefasto apenas do Holocausto”.
A perseguição
Uma das propostas do Museu do Holocausto de Curitiba é a de resgatar e contar histórias de vítimas do genocídio nazista seguindo o propósito de atuar como agente transformador da sociedade a partir dos direitos humanos. Assim, é possível combater o desprezo social e desumanização atreladas a preconceitos debatidos atualmente.
“É assombroso, em pleno século 21, ainda termos que convencer parte da sociedade e dos governantes de que a intolerância religiosa não apenas existe, como é nociva a todos nós”, diz ao explicar que a intolerância às religiões de matriz africana é um retrato do racismo presente desde os tempos da colonização.
“É importante que as pessoas saibam que a intolerância às religiões de matriz africana não está ligada apenas a uma questão teológica, de uma crença diferente, e sim de uma questão absolutamente racista. Esta forma de intolerância afirma explicitamente que a população negra não pode manifestar sua crença apenas pelo fato de serem negros. E isso é ao mesmo tempo triste, preocupante e perigoso”.
São essas possibilidades, de traçar paralelos entre o que acontece hoje com eventos históricos, que levam Carlos a afirmar que crueldades, como as registradas em Auschwitz, não apenas têm chance de ocorrerem novamente, como presenciamos várias vezes por dia em diversas partes do mundo e não damos conta.
“Auschwitz faz parte de um processo que nós convencionamos chamar de ‘genocídio’ e que possui fases, etapas planejadas. Dentre elas, a identificação de indivíduos, a discriminação, a marginalização e a perseguição”, explica.
“Se pensarmos nesse processo... A ideia de que pessoas se sintam superiores a outras continua existindo. Seja em função da orientação sexual, da religião, da cor da pele, da nacionalidade ou por qualquer outro aspecto sociocultural, os ingredientes que levaram à construção de campos de extermínio nazistas ainda existem”, concluiu.
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