Santos Dumont x Irmãos Wright: O debate pelo pioneirismo da aviação
Aventuras Na História
Alberto Santos Dumont queria que todas as pessoas tivessem um dirigível Balladeuse para serem livres iguais os pássaros e viajarem para qualquer lugar quando tivessem vontade. O mineiro, nascido em Palmira, em 1873, sonhava com balões grandes e flexíveis transportando pessoas entre Paris, Rio de Janeiro, Nova York e qualquer outro canto do mundo.
"Ele enxergava as aeronaves como carruagens da paz conectando culturas diferentes para que os povos se conhecessem, reduzindo, dessa forma, possíveis hostilidades", descreve Paul Hoffman em Asas da Loucura: A Extraordinária vida de Santos Dumont, que ganha nova edição publicada agora pela Editora Record.
Santos Dumont, que completaria 150 anos no próximo dia 20 de julho, contrariou todas as decisões e no dia 19 de outubro de 1901 circum-navegou a Torre Eiffel e levou à loucura uma multidão que se aglomerava nas pontes do rio Sena.
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"Quando os nomes daqueles que ocuparam posições de destaque no mundo forem esquecidos", declarou o The Times naquele ano, "um nome permanecerá em nossa memória, o de Santos Dumont".
Infelizmente [nos dias atuais], ele não é muito conhecido fora do Brasil", explica Hoffman em entrevista exclusiva à equipe do site do Aventuras. Mas por que Santos Dumont foi 'esquecido'?
Os voos de Dumont
Em seu livro, Hoffman descreve que os balões a gás eram normalmente vistos no céu de Paris no final do século 19. No entanto, não eram máquinas voadoras, pois, a falta de um motor faziam deles apenas grandes globos flutuantes à mercê do vento.
Mas tudo mudou na virada do século, quando o inventor brasileiro revolucionou o mundo da aeronáutica e instalou um motor de automóvel e um propulsor em um balão. Pelo voo já citado com seu dirigível Nº 6, Santos Dumont foi congratulado como o Prêmio Deutsch.
"Os cientistas que observaram o voo do apartamento de Gustave Eiffel no alto da torre tinham a certeza de que ele não conseguiria realizá-lo. Temiam que um vento imprevisível o impelisse contra o para-raios da torre. Outros estavam convencidos de que o balão explodiria. Quando Santos Dumont contrariou todas as previsões, Júlio Verne e H. G. Wells enviaram-lhe telegramas de congratulações", descreve o biógrafo.
Naquela época, mais de duzentos homens, alguns inventores e grandes engenheiros de seu tempo, já haviam perdido a vida em acidentes aéreos antes da façanha de Dumont. Com a falta de referências, o único jeito de conseguir voar era justamente arriscar a própria vida. O brasileiro sabia disso.
Cinco anos depois, ele se tornou a primeira pessoa a decolar a bordo de um avião impulsionado por um motor a gasolina, ao voar com o Oiseau de Proie, popularmente conhecido como 14-Bis, no Campo de Bagatelle, em Paris, em 23 de outubro de 1906.
Semanas depois, uma multidão o acompanhou em seu voo com o Oiseau de Proie III. O Aeroclube da França homologou os voos como os primeiros feitos por um aparelho mais pesado que o ar. Mas aí surgiram os Irmãos Wright.
Disputa de ideologias
Se para os brasileiros Santos Dumont é considerado o pai da aviação, a Fédération Aéronautique Internationale (FAI), que governa e regulariza os esportes aéreos no mundo, consideram os Irmãos Wright, Wilbur e Orville, como os primeiros a realizar um voo controlado, em um veículo motorizado e num aparelho mais pesado que o ar, por suas façanhas feitas em 17 de dezembro de 1903. Ou seja, cerca de três anos antes do 14-Bis.
Importante ressaltar, porém, que a FAI considera o 14-Bis — que teve uma decolagem autopropulsada — como a primeira atividade esportiva da aviação. A ocasião, inclusive, foi acompanhada de perto por civis e jornalistas.
Ao Aventuras, Paul Hoffman aponta que a discussão sobre o pioneirismo da aviação não acontece fora do Brasil. "Os Irmãos Wright são universalmente considerados os inventores do voo moderno".
No entanto, ele explica que os norte-americanos tinham um propósito diferente do uso da tecnologia. Enquanto Santos Dumont tinha a visão romantizada de unir as pessoas, os Wright pretendiam construir aeronaves com intuito financeiro.
O biógrafo explica, aliás, que quando, em um primeiro momento, o governo dos Estados Unidos se recusou a dar dinheiro para financiá-los, eles não tiveram escrúpulos ao se aproximarem de militares de outros países.
Os Wrights não eram gananciosos, embora, como muitos inventores, esperassem lucrar com sua invenção", afirma.
"Santos Dumont era um santo porque desenvolvia dirigíveis e aviões para fins pacíficos e não comerciais. Ele podia se dar ao luxo de ser caridoso porque era rico de forma independente. Santos Dumont conseguiu algo que os Wrights nunca conseguiram: voar em um dirigível (um balão cilíndrico motorizado) em 1901 diante da maior multidão já reunida no mundo até hoje", finaliza o autor de Asas da Loucura: A Extraordinária vida de Santos Dumont.