Fim dos políticos? Pré-candidato a vereador em SP tem chapa junto com uma IA
Tecmundo
As inteligências artificiais (IA) já estão presentes em vários setores da sociedade: na comunicação, artes, engenharia, computação, universidades e muito mais. A política, porém, é um setor em que a presença da tecnologia ainda não é tão chamativa. Mas isso deve mudar muito em breve.
Pedro Markun é um hacker, ativista por transparência de dados e pré-candidato a vereador da cidade de São Paulo que tem como “parceira” de chapa uma IA. De acordo com ele, essa é a primeira candidatura híbrida da história do Brasil.
Markun, que também foi cofundador da iniciativa Transparência Hacker e do Ônibus Hacker, que leva conhecimentos técnicos e tecnológicos para cidadãos comuns, diz que é preciso ser contra a “velha política”.
Contudo, ele ressalta que não faz um discurso antipolítica. Na verdade, segundo ele, seu discurso é “antissistema”.
“[Meu discurso] é extremamente político. Eu estou oferecendo uma saída política para um sistema corrompido. Eu estou oferecendo uma tecnologia que pode de fato resgatar a política da mão dos políticos e devolver para a mão das pessoas e a chave disso é a transparência e participação”, argumentou em entrevista exclusiva ao TecMundo.
Política baseada em dados
A IA parceira de Pedro Markun se chama “Lex”. A Lex – que ele diz que propositalmente pode ser confundida com a Alexa – se parece com o ChatGPT . Funcionando através de plataformas como o WhatsApp, ela responde a perguntas, faz resumos, sugere ideias etc.
No caso da Lex, ela servirá para “analisar dados em grande escala, formular políticas públicas, fiscalizar contratos e interagir diretamente com a população”, de acordo com o site da pré-campanha do jovem.
Markun, que concorrerá ao cargo de vereador em São Paulo pela Rede Sustentabilidade, quer inaugurar a fase de uma “política baseada em dados”. E ele é ousado. “Os políticos com Inteligência Artificial vão substituir os políticos sem Inteligência Artificial”.
Confira, a seguir, a versão em texto com os melhores momentos da entrevista de Pedro Markun ao TecMundo. Caso você prefira, veja abaixo entrevista completa em formato de vídeo no canal do YouTube:
TecMundo: De onde surgiu a ideia de criar uma pré-candidatura híbrida com uma Inteligência Artificial?
Pedro Markun: Eu sempre trabalhei com tecnologia. A gente criou a Transparência Hacker que era um movimento de hackativistas que queria usar a tecnologia para transformar e hackear o sistema político. Mas há dois anos eu estava em casa no meu computador e eu conversei com ele. E sabe aquele momento que seu cérebro explode e você acha que está em um filme? Eu comecei a pirar e pensar como isso [a IA] ia atravessar a política. E foi o que me levou a criar a Lex. [A IA] vai começar a permear tudo e o que a gente vai ver daqui a uns anos é que as políticas públicas vão ser feitas com a IA sem que o cidadão tenha qualquer noção disso. Então quando a gente criou a Lex, a ideia era trazer esse debate para a linha de frente.
TecMundo: Você diz em seu site que a Lex não tem “rabo preso com ninguém”. O que significa isso exatamente? E em relação ao treinamento e base de dados. A Lex utiliza a internet e é formada por vários vieses?
PM: Talvez eu precise me corrigir. A Lex tem rabo preso com a ciência, com os fatos e os dados. Para a Lex, a terra vai ser sempre redonda. Não admitimos posições terraplanistas dentro do universo da Lex. Em relação ao espectro ideológico. Como a gente costuma colocar, respondendo se a Lex é de direita ou de esquerda, na verdade ela é técnica. A gente construiu várias camadas de informação. Em uma das camadas há uma biblioteca positiva em que há dados de vários livros. Então sobre economia, por exemplo, ela lê O Capital, de Karl Marx . Mas ela também lê Adam Smith e Von Mises. A Lex vai ler diferentes espectros e obras e usa isso para construir um posicionamento. Se você perguntar para ela o que ela acha da renda básica universal, por exemplo. Ela vai falar que a renda básica universal é boa por causa disso, que os desafios de implementação são tais etc.
TecMundo: E de maneira prática, como a Lex vai funcionar? Ela terá uma supervisão ou as decisões serão tomadas por ela?
PM: Apesar de a Alex ser uma inteligência artificial extremamente capaz e inteligente, ela ainda é uma máquina. Então o responsável pelas tomadas de decisões ainda serão os humanos. Então a Lex vai ajudar a formular propostas e vai defendê-las com base nos dados e na ciência e evidências. A nossa intenção é provocar uma disrupção mesmo. Vai ser muito difícil ignorar, por exemplo, uma linha de ônibus que é tão melhor [que linhas atuais]. E vamos levar isso adiante porque as linhas não são melhores porque temos uma máfia de ônibus em São Paulo. O algoritmo não quer saber de privilegiar dinheiro no bolso do dono da concessionária, ele quer privilegiar o tempo de deslocamento do cidadão. Então a gente vai precisar fazer esse enfrentamento.
TecMundo: Você está fazendo uma campanha de financiamento coletivo. Ela servirá para bancar toda a campanha? Ou você pretende utilizar o fundo partidário?
PM: Eu estou na Rede Sustentabilidade porque ele é um partido que trabalha pela inovação política. Eu fui candidato, em 2016, pela Rede Sustentabilidade com uma plataforma chamada política hacker e fui o primeiro candidato independente do Brasil. Então a gente está nessas negociações para ter parte desse recurso [do fundo partidário], mas esse recurso sozinho não garante que a gente vá ocupar uma das 55 cadeiras [de vereador em SP]. Então estou conversando também com empresários e com uma galera do mercado financeiro. O investimento é importante porque a Lex é uma tecnologia que tem potencial de transformar os 5,4 mil municípios no Brasil.
TecMundo: Qual o modelo de linguagem utilizado pela Lex? E qual a tecnologia embarcada?
PM: A Lex é desenvolvida em JavaScript, o que permite a gente conectar com outras tecnologias. E no coração dela nós temos o LLM [Grande Modelo de Linguagem] do ChatGPT, porque até semana passada ele era o ‘state of the art’. Ao longo desse processo, pretendemos mudar, já que não podemos ficar à mercê do Sam Altman [CEO da OpenAI]. Então a gente já está desenvolvendo a tecnologia de maneira intercambiável, testando e conversando com outras áreas para poder finalizar o desenvolvimento da Lex.
TecMundo: A Lex será uma tecnologia de código-aberto? Pensando que a transparência é um dos principais pilares dela..
PM: A gente vai fazer uma versão de código aberto para que ela possa ser analisada pelas pessoas. Então, assim, se alguém quiser saber o viés da Lex, poderá acessar todo o código dela para saber como ela formula os pensamentos. Esse compromisso [com a transparência] é inegociável.
TecMundo: Você tem bastante material da pré-campanha falando sobre renovação da política e até criando um antagonismo com os políticos atuais. Você diz até mesmo que a IA poderá substituir esses políticos. Você não tem medo de sofrer rejeição desses “caciques”?
PM: Saiu uma pesquisa no Globo que mede o grau de desconfiança que as pessoas têm em diversas instituições e o resultado foi assustador. As pessoas estão muito descrentes do que tá aí, sendo que 48% das pessoas não confiam no Congresso Nacional. E eu faço parte delas, já que não consigo confiar nos políticos atuais. A gente tem 513 Deputados Federais e a grande maioria é um lixo, que inclusive está trabalhando somente para o próprio interesse. Nas câmaras municipais é a mesma coisa. Eles não produzem nada, então a gente precisa acabar com essa galera. Quando eu faço um discurso de renovação, não é um discurso antipolítica, ele é um discurso essencialmente político. A gente precisa substituir esses vereadores que não servem à população e colocar vereadores compromissados com o que é público.
TecMundo: E como a IA Lex vai ajudar nesse objetivo de combate à corrupção?
PM: É porque ela [Lex] garante transparência. Ela dará acesso às minhas contas. Ela vai me vigiar, vai garantir que eu não me corrompa. A gente não pode confundir o discurso antipolítica com antissistema. Vale lembrar que esse grande aventureiro Jair Messias Bolsonaro veio com o discurso antipolítica e era congressista há mais de cinco mandatos. Ele falava assim porque as pessoas estão de saco cheio e a gente precisa dialogar com esse sentimento. Mas o que eu estou oferecendo não é antipolítica. Eu estou oferecendo uma saída política para um sistema corrompido. Eu estou oferecendo uma tecnologia que pode de fato resgatar a política da mão dos políticos e devolver para a mão das pessoas. E a chave disso é a transparência e participação.