O Telegram pode ser bloqueado no Brasil?
Tecmundo
É óbvio que você sabe que o Ministro Alexandre de Moraes determinou na semana passada que todas as empresas que fornecem acesso à internet bloqueassem o acesso ao Telegram , e que o Google e a Apple retirassem o programa das suas lojas.
Pouco tempo depois, o Ministro reconsiderou a sua própria decisão e liberou o acesso , porém, a bola já tinha sido levantada e esquecendo as questões políticas, juridicamente, tá certo ou tá errado? Tem fundamento ou não tem?
Bom, essa prática não é nova e o WhatsApp também já foi bloqueado porque o Meta (antigo Facebook Inc.), se recusava a fornecer o histórico de conversas mantidas entre usuário, relacionados a um caso de investigação criminal de tráfico de entorpecentes, o que gerou duas Ações que está no Supremo Tribunal Federal desde 2016 para ser julgada.
Antes de qualquer coisa, quem pediu o bloqueio do Telegram foi a Polícia Federal e não o Ministro Alexandre de Moraes, ou o próprio Supremo Tribunal Federal. No Judiciário, ninguém faz nada sem que alguém peça – mesmo que seja para negar o que foi pedido, e sempre há fundamentação na sua decisão, certa ou errada, já que isso é uma obrigação de qualquer juiz, segundo o inciso IX do artigo 93¹ Constituição Federal.
A PF solicitou o bloqueio porque o Telegram nunca respondeu nenhuma das solicitações de informações que foram feitas no âmbito do inquérito das Fake News, feitos por meio do Supremo Tribunal Federal, e também para que os perfis do blogueiro Allan Lopes dos Santos, que está foragido nos Estados Unidos, fossem suspensos. Essas são algumas das razões.
Essa situação não é exclusiva do Brasil. A Alemanha também está sendo ignorada e caminha para a adoção de medidas mais graves contra a empresa. Os Estados Unidos também puniram o Telegram em 2018 e 2019 por não cooperar com as autoridades daquele país.
Existe no Marco Civil da Internet – lei 12.965/2014, alguns artigos que foram usados pelo Ministro para basear a sua decisão, principalmente os incisos do artigo 12². Essas punições só podem ser aplicadas se o provedor dos serviços desrespeitar alguma norma brasileira, e nesse caso, seguindo o que o Ministro entendeu, basicamente foram desrespeitados os artigos 11³, 194 e 205.
O primeiro artigo determina que se uma empresa, mesmo que de fora do Brasil, tendo ou não filial aqui, fornecer serviços para nós, ela deve se submeter às regras do Marco Civil da Internet. Não quer dizer que as leis dos outros países não valem nada. Valem sim, mas quando um fato ocorrer no Brasil e for preciso a ajuda dessas empresas, elas são obrigadas a observar a nossa lei.
Já os artigos 19 e 20, dizem respeito à responsabilização das empresas se elas não cooperarem com as autoridades. Essas empresas, como o Telegram, só seriam responsabilizadas e punidas se não ajudassem, e foi o que exatamente aconteceu. O Telegram nunca respondeu nada , e está aí a consequência.
Quem defende que não pode haver proibição do Telegram lembra que desde 2016, estão lá no Supremo Tribunal Federal aquelas duas ações que eu citei no começo, e que tratam da impossibilidade de os juízes determinarem o bloqueio de aplicativos de mensagens como o Telegram e WhatsApp, e de as empresas e pessoas físicas usarem a criptografia para o envio de mensagens.
Essas duas ações estão sendo julgadas juntas e já votaram dois Ministros, Edson Facchin e Rosa Weber, e ambos foram a favor da declaração da inconstitucionalidade parcial da proibição e para autorizar o uso da criptografia.
Mas o Ministro Alexandre de Moraes pediu para o processo ficar com ele por mais tempo para ele analisar melhor o tema (é o chamado pedido de vista) e os processos estão parados desde 2020 e sem nenhuma perspectiva de que o julgamento seja retomado.
É essa a argumentação, aliada ao fato da desproporcionalidade da medida (que teria afetado milhões de usuários no Brasil), e por ser praticamente impossível garantir eficácia do bloqueio, são alguns dos argumentos das pessoas que são contrárias ao impedimento do Telegram.
Mas o fato é que enquanto não for decidido se parte da lei é ou não inconstitucional, ela existe e deve ser seguida, e foi por isso que o Ministro fez: usou ela para basear o seu entendimento, mas se foi certo ou errado, não me cabe julgar.
Bom, você pode acreditar que se a empresa está fora do Brasil, não tem obrigação nenhuma de dar essas informações. Certo? Então vamos pensar o seguinte: e se fosse o caso de um abusador de menores? Um monstro que violentou diversas crianças? Alguém que usa o Telegram para vender fotos e vídeos desses abusos. A sua opinião ainda seria esta, ou você acredita que o Telegram deveria ajudar a Polícia Federal? É só uma reflexão.
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¹ IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
² Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
I - advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
II - multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;
III - suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou
IV - proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11.
Parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País.
³ Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.
4Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
5Art. 20. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário.
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Rofis Elias Filho, colunista do TecMundo, é geek e advogado, apaixonado por tecnologia desde pequeno. Foi o primeiro da rua a ter internet em casa, em 1994, e se especializou em Direito da Informática no Brasil e em Portugal. Hoje, é professor da mesma matéria em diversas instituições, tendo sido coordenador-executivo da pós-graduação da ESA/SP. É sócio do escritório Elias Filho Advogados, que advoga para diversas empresas de tecnologia no Brasil e no exterior. Siga nas redes sociais para mais dicas: @eliasfilhoadv.