Descubra o poder das ondas gravitacionais
Tecmundo
*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Para descrever o Universo que conhecemos, são necessárias duas classes fundamentais de teorias: de um lado, a Teoria Quântica de Campos, que descreve as interações do eletromagnetismo e das forças nucleares e explica o mundo microscópico das partículas; e do outro lado, a Relatividade Geral, que explica a relação entre matéria-energia e espaço-tempo, descrevendo o que entendemos como gravitação.
A concepção contemporânea da gravidade foi apresentada pela primeira vez há pouco mais de 100 anos, em 1915, por Albert Einstein, que substituiu a velha concepção newtoniana em que dois objetos maciços se atraem, instantaneamente, com uma força que é proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles.
A Relatividade Geral, então – que veio complementar a Relatividade Restrita depois de quase 10 anos –, passou a tratar o espaço-tempo como um “tecido” quadridimensional, onde toda a matéria e energia do Universo estão localizados. Dessa forma, a gravidade se apresenta como o resultado da deformação do espaço-tempo, causada pela distribuição de tais massas e energias.
Representação da curvatura do espaço-tempo devido à presença de um corpo massivo.
Diversas foram as previsões oriundas dessa nova teoria, desde a existência dos buracos negros até a distorção da trajetória da luz que viaja perto de corpos massivos, fenômeno hoje conhecido como lenteamento gravitacional. Uma dessas previsões, entretanto, ficou muito famosa nos últimos anos e se destaca muito quando o assunto é energia: as ondas gravitacionais.
Ondas gravitacionais são ondas físicas geradas pela movimentação acelerada de corpos massivos e se propagam à velocidade da luz. Dentro dessa definição, a produção de ondas gravitacionais está associada a massas no Universo orbitando outras massas (como por exemplo, estrelas, buracos negros, entre outros), a mudanças rápidas em um objeto que está em rotação ou em colapso gravitacional, à fusão de dois objetos massivos, e até mesmo às flutuações quânticas primordiais no Universo primitivo.
Representação artística da produção de ondas gravitacionais por duas estrelas binárias.
Em todos esses casos, a distribuição de energia dentro de uma determinada região do espaço muda rapidamente, resultando nessa perturbação inerente ao próprio espaço-tempo. Por mais contraintuitivo que seja, a passagem de uma onda gravitacional faz com que o espaço se comprima e se expanda alternadamente, em direções mutuamente perpendiculares, à medida que os picos e vales das ondas se propagam. Em outras palavras, a passagem de uma onda gravitacional afeta diretamente as propriedades do espaço por onde ela passa, bem como todos os objetos e entidades físicas pertencentes a eles.
No último século, inúmeros instrumentos e experimentos foram propostos para detectar e verificar a existência das ondas gravitacionais, mas para detectar tal aspecto da natureza foram necessárias uma robustez tecnológica e uma sensitividade instrumental extrema. Apenas no dia 14 de setembro de 2015, ocorreu a primeira detecção direta de uma onda gravitacional. Os detectores do observatório LIGO (da sigla em inglês para Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) localizados em Hanford Site e Livingston, ambos nos Estados Unidos, registraram as ondas gravitacionais produzidas na fusão de dois buracos negros de 36 e 29 massas solares, respectivamente.
Detectores do LIGO.
Orbitando entre si ao longo de milhares de anos em órbitas instáveis, esses dois buracos negros se fundiram, formando um buraco negro final de 62 massas solares: as três massas solares “faltantes” foram convertidas em energia pura na forma de ondas gravitacionais.
À medida que essas ondas passaram pelo planeta Terra, elas alternadamente comprimiram e expandiram nosso planeta em uma unidade de comprimento menor que o diâmetro de um átomo. Contudo, não se engane com essa quantidade minúscula: a fusão desses dois buracos negros emitiu 36 septilhões de yottawatts de potência (3,6 × 104 watts, isto é, o número 36 seguido de 48 zeros). Essa potência assombrosa é maior que a potência combinada de toda a luz irradiada por todas as estrelas existentes no Universo observável!
Sinal nos detectores da passagem da primeira onda gravitacional detectada.
Desde então, outras detecções de ondas gravitacionais foram feitas e estas também foram originadas por processos igualmente poderosos. Essas detecções têm contribuído fortemente para a inauguração de uma nova era na astronomia, uma era em que o Universo abre as janelas para os nossos olhos enxergarem não somente através da luz, mas também por meio da gravidade.
Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_ .