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‘Não estamos comprando íris dos brasileiros’: empresa se diz vítima de ‘narrativa falsa’
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‘Não estamos comprando íris dos brasileiros’: empresa se diz vítima de ‘narrativa falsa’

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Tecmundo
27/01/2025 19h45
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©Pexels / Ismy Pointofview
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Nas últimas semanas, viralizaram nas redes sociais depoimentos em vídeos de centenas de brasileiros que estavam “vendendo a íris” para um serviço estrangeiro. Apesar de a iniciativa ter começado em novembro de 2024, o assunto tomou uma proporção maior neste começo de 2025.

E no meio deste mistério, surgiram várias dúvidas: quem está registrando as íris dos brasileiros? Para quê? A pessoa que “vende” realmente vai receber?

Para sanar esta e outras questões, o TecMundo conversou com Rodrigo Tozzi, chefe de operações no Brasil da Tools for Humanity, empresa a criadora da Orb, máquina que faz captura dos dados biométricos dos olhos.

A conversa ocorreu em 17 de janeiro, antes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) decidir, na última sexta-feira (24), pela suspensão da “oferta de criptomoedas ou de qualquer outra compensação financeira” pela coleta das íris dos brasileiros.

Antes mesmo da determinação da ANPD, a Tools for Humanity já sustentava que não estava “comprando” os dados dos brasileiros. “Não existe um pagamento. O protocolo World não compra nenhum dado do brasileiro. Não há nenhuma transação comercial”, argumenta Tozzi.

O que é projeto World? O que é Tools for Humanity?

Antes de entrar no debate sobre a compra ou não das íris, vale explicar os conceitos e o que está acontecendo. A Tools for Humanity é a principal colaboradora do projeto World (citado por Tozzi), que é um protocolo que tem metas ousadas (para não dizer impossíveis). E os laços parecem complicados, mas vamos destrinchar.

A Tools for Humanity foi fundada nos Estados Unidos e tem sede também na Alemanha. Ela chamou a atenção do mundo porque um de seus fundadores é Sam Altman, nada menos que o CEO da OpenAI, companhia que criou o ChatGPT. Apesar de ter representação no Brasil, a Tools for Humanity não respondeu ao TecMundo quantos funcionários trabalham para a empresa por aqui.

No caso da World, ela é uma iniciativa global que tenta criar tecnologias que consigam diferenciar seres humanos de robôs. De acordo com os criadores do projeto, em poucos anos será difícil reconhecer o que é uma inteligência artificial (IA) e o que é uma pessoa de carne e osso.

WorldEm alguns anos, segundo especialistas será difícil distinguir humanos de robôs na internet. (Imagem: imaginima/Getty Images)

A partir dessa premissa básica foi criado o World App, que também funciona como uma rede financeira global, sendo o aplicativo em que os brasileiros se cadastram para agendar a verificação de humanidade. Atualmente, pelo menos mais de 400 mil brasileiros já escanearam suas íris nos cerca de 40 postos que foram instalados na cidade de São Paulo (SP).

Depois que as pessoas encaram a fila e tiram três fotos (uma do rosto e mais uma de cada íris) numa esfera chamada Orb, esses dados são enviados para o cadastro do World App da pessoa.

Assim que o processo é concluído, o usuário pode optar por receber ou não tokens, que são ativos digitais. Estes ativos digitais variam de preço como qualquer commodity e estavam valendo entre R$ 400 e R$ 600 nas últimas semanas. A “pegadinha” aqui é que o valor completo é pago parcelado, ou seja, não é possível ter acesso a todo esse valor de uma vez. E, na verdade, a entrega destes tokens é uma das maiores polêmicas de toda a iniciativa.

“Narrativas falsas”

Tanto World quanto Tools for Humanity são taxativos: não há transação no processo que eles chamam de “registro de humanidade”. Rodrigo Tozzi diz que é “normal haver essa confusão".

“Primeiro que o token não é uma criptomoeda. Ele é um criptoativo que pode ser usado dentro do próprio app para comprar brindes como camisetas da World, por exemplo. Quando o usuário recebe os tokens, se ele desejar, pode vender no livre mercado para outros usuários, transformar em moeda local, aí sim configurando uma transação”, sustenta.

Ele acrescenta que o objetivo de dar tokens para as pessoas que tiram fotos dos próprios olhos é distribuir a propriedade do protocolo World.

OrbA Orb é uma esfera com câmeras de alta tecnologia que registra a biometria dos olhos. (Imagem: Tools for Humanity/Divulgação)

No texto divulgado em seu blog oficial, a World rebate o que chama de “informações incorretas”, incluindo de que os brasileiros estão vendendo as íris.

“Essa narrativa falsa decorre de um mal-entendido sobre o projeto. O World usa uma câmera de última geração (o Orb) e tecnologia de anonimização criptográfica inovadora para provar que uma pessoa é um ser humano único e verificar seu World ID. Não há absolutamente troca de dinheiro ou tokens quando uma pessoa verifica seu World ID”, diz um trecho do texto.

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O World App é gratuito e tem informações em português também. (Imagem: Tools for Humanity/Divulgação)

Como garantir que o processo é seguro?

A outra grande polêmica do projeto que está escaneando as íris dos brasileiros é em relação à segurança e privacidade. Os temas foram, inclusive, essenciais para que autoridades da Alemanha e Espanha proibissem pelo menos temporariamente a coleta das íris. Ambos os países entenderam que não havia garantias o suficiente de que as informações de seus cidadãos estariam seguras contra vazamentos, inclusive.

E o cuidado é bastante grande porque a biometria da íris é um marcador único e que pode identificar qualquer ser humano no planeta. Somente em casos de acidentes ou doenças é que as íris podem ser modificadas, caso contrário, elas permanecem por toda uma vida identificáveis.

WorldA Orb desmontada peça por peça. (Imagem: Tools for Humanity/Divulgação)

Sabendo disso, a reportagem questionou Rodrigo Tozzi sobre como é possível garantir a segurança destas informações tão cruciais. Primeiro, ele respondeu que os dados dos olhos das pessoas são apagados da Orb e que, portanto, as informações não ficam registradas na máquina fotográfica de última geração.

“A World não sabe sequer os nomes dos usuários, já que esse é um dado que não é pedido em nenhum momento do processo de verificação. As orbs são auditadas por empresas independentes e os relatórios são públicos. E todo o protocolo World é de código aberto. Tudo isso é feito com total transparência”, defende.

Qual o risco da ‘verificação de humanidade’?

Uma coisa não podemos negar nesta história toda: o projeto da World de verificação da humanidade é totalmente inovador e disruptivo. Não há registros de nenhuma iniciativa em tão larga escala que se propôs a identificar cada ser humano vivo no planeta Terra.

A Tools for Humanity também não respondeu sobre valores de investimento, contudo, Tozzi afirmou que o dinheiro vem de fundos de capital de risco (venture capital). E a meta continuará ousada, já que há planejamento de que novos postos para tirar fotos dos olhos sejam abertos em mais cidades brasileiras.

Após a viralização do assunto e o aquecimento do debate, muita gente começou a pensar se de fato valia o risco de registrar a biometria dos olhos por cerca de R$ 600 que só serão recebidos ao longo de vários meses. A influencer Caroline Vieira chegou a contar para o site F5 que se arrependeu da decisão de registrar os olhos.

Falando ao TecMundo, Thiago Ayub, diretor de Tecnologia da Sage Networks, empresa especializada em cibersegurança, explicou que considera “perigoso e um enorme voto de confiança” entregar as informações sem ter tanta certeza do que se trata.

Ele reforçou que os dados biométricos identificam uma pessoa com mais precisão do que uma assinatura com caneta e que se uma empresa tiver a capacidade de identificar alguém assim, ela conseguirá fazer isso para sempre, “mesmo quando isso não for do interesse delas [pessoas] no futuro”.

“Como já temos como hábito publicar fotos em alta definição de rosto na internet, que condomínios empresariais coletem nossa foto e impressão digital para permitir a passagem pela portaria, não há tanto pudor em entregar os dados de íris e digitais, embora tão quanto a assinatura no papel, tenha consequências potencialmente sérias a quem vender esses dados”, alerta.

Proibições da ANPD

Depois de uma investigação que começou ainda no ano passado, a ANPD determinou que desde o último sábado (25) a World e Tools for Humanity não poderiam oferecer a compensação para os brasileiros.

“Em análise preventiva, a Coordenação-Geral de Fiscalização [CGF] entendeu que a concessão de contrapartida pecuniária pela empresa, por meio da oferta de criptomoedas [termo negado pela Tools for Humanity], pode prejudicar a obtenção do consentimento do titular de dados pessoais”, diz trecho da decisão da ANPD.

A entidade analisou que oferecer uma contraprestação pecuniária poderia “interferir na livre manifestação de vontade dos indivíduos, por influenciar na decisão quanto à disposição de seus dados biométricos”.

ÍrisA íris é a parte colorida do olho e cada pessoa tem uma. (Imagem: Getty Images)

Outra informação importante citada é que os ativos distribuídos no processo de verificação de humanidade poderiam atrair principalmente pessoas mais pobres e em situação de vulnerabilidade social.

“A CGF considerou, ainda, que o tratamento de dados pessoais realizado pela empresa se revelou particularmente grave, considerando o uso de dados pessoais sensíveis e a impossibilidade de excluir os dados biométricos coletados, além da irreversibilidade da revogação do consentimento”, finaliza o texto da ANPD.

Outro lado

Como a proibição da ANPD aconteceu após a entrevista com Rodrigo Tozzi, o TecMundo procurou novamente a Tools for Humanity. A reportagem questionou qual seria o próximo passo da empresa.

Em um posicionamento curto, a companhia respondeu que “estamos trabalhando para atender às solicitações da ANPD dentro do prazo estabelecido e esperamos trabalhar juntos para resolver a questão, para que todos os brasileiros participem plenamente da rede World”.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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