PL das Fake News: a educação para combater a desinformação
Tecmundo
Rofis Elias Filho*
Voltamos a falar do projeto de lei apelidado de “PL das Fake News”, mas com enfoque na educação do usuário como forma de combater a desinformação.
Não gosto da expressão “fake news” porque atualmente é usada para tudo aquilo que não é verdadeiro, perdendo o seu sentido que era relacionado à disseminação de notícias falsas. O melhor termo a ser usado atualmente é desinformação e é esse termo que vou usar.
A desinformação é, sabidamente, um fenômeno complexo que não pode ser explicado apenas neste artigo, mas o fato é que também é um fenômeno social, já que é um comportamento da sociedade. E em diversos casos, de um grupo da sociedade e não de uma ou outra pessoa individualmente.
Não é um fenômeno jurídico ou tecnológico porque sempre existiu, mas para que se resolva esse problema, é preciso que haja uma atuação de ambos e de forma conjunta. Do contrário, de nada adiantará termos leis e mais leis que continuarão a ser desrespeitadas.
É muita gente disseminando desinformação de forma proposital, seja com intenção de “zoar alguém”, ou para ganhar curtidas nas redes sociais, para ficar famoso ou para espalhar o caos e o medo com os mais variados e sinistros intuitos. Cada uma dessas condutas pode ou não prejudicar terceiros em mais ou menos intensidade.
A verdade é que quem dissemina desinformação vai continuar a fazer isso e não vai parar até ser pego, processado e ter que pagar indenização ou passar um tempinho na cadeia.
Essa é uma indústria gigantesca que movimenta muito dinheiro, pois sites que veiculam esse tipo de conteúdo lucram com Adwords e outros programas de afiliados, e as pessoas que criam essas peças e as notícias falsas cobram um bom dinheiro para isso.
E não será uma lei que irá colocar fim a esse tipo de acontecimento. Se fosse assim, ninguém matava, ninguém roubava, enfim, não existiram crimes, mas sabemos que não é isso que ocorre, e acredito que nunca mais nos livraremos da desinformação.
E um dos grandes problemas está em quem consome esse tipo de conteúdo. É nesse pessoal que o Projeto de Lei deveria ter focado para tentar amenizar a situação, mas isso não aconteceu e só há um artigo falando sobre educação nas escolas. É o artigo 38.
Do fomento da educação para o uso seguro da internet
Art. 38. O cumprimento do dever constitucional do Estado na prestação da educação, em todos os níveis de ensino, inclui: (...)
Eu acho importantíssimo que as crianças e adolescentes desde cedo tenham o pensamento crítico acerca daquilo que elas leem, ouvem e aprendem, mas não podemos focar apenas nesse público.
Este erro não é novo. Vem desde quando o Marco Civil da Internet entrou em vigor, em 2014, já que o artigo 26 também foca só em quem está na escola. E mais uma vez, o Marco Civil só se preocupa com as crianças, já que o parágrafo único do artigo 29 se refere ao uso de programas de controle parental (aqueles em que os pais podem bloquear conteúdo).
Mas e o pessoal que já não é mais criança e que está mais estudando? O que fazer com eles? Deixá-los abandonados e cada vez mais desinformados? Cada vez mais radicalizados a ponto de ocorrer de novo o que ocorreu em 08/01/2023?
Ao que parece, sim e esta é uma das minhas críticas, já que o artigo 38 só cuidou da educação em todos os níveis, ou seja, para quem está matriculado em algum curso, quando, na verdade, a educação deve ser para todas as pessoas, já que no Brasil, mais de 36% dos jovem brasileiros não estudam.
Quem consome desinformação dificilmente deixará de consumir por vontade própria, já que existe um sentimento de pertencimento e de que “se isso é exatamente o que eu acredito, então é verdade”.
É preciso focar também nesses públicos as políticas de educação e informação. Os públicos jovem e adulto principalmente, porque são eles, os adultos, que ensinam as crianças e os adolescentes, e se não têm discernimento para identificar um conteúdo que gera desinformação e as consequências, então como poderão ensinar as futuras gerações?
Quando entramos, por exemplo, no Youtube e não somos assinantes, somos obrigados a assistir publicidade antes de virmos o conteúdo que estávamos procurando. Esta seria uma ótima oportunidade para o PL normatizasse algo que obrigasse as Big Techs a ajudarem na educação dos usuários, já quem em muitos conteúdos, principalmente aqueles sinalizados como duvidosos, antes de acessar o material, poderiam ser obrigados a assistir a um filme curto sobre a desinformação.
Mas, infelizmente, isso não constou da proposta e ao parece foram esquecidos, o que mostra que, na verdade, ninguém está preocupado com combater a desinformação, mas sim em criar leis e mais leis que que tentam regular as redes sociais.
*Geek e advogado, apaixonado por tecnologia desde pequeno. Foi o primeiro da rua a ter internet em casa, em 1994, e se especializou em Direito da Informática no Brasil e em Portugal. É sócio do escritório Elias Filho Advogados, que advoga para diversas empresas de tecnologia no Brasil e no exterior.