Quando a astronomia e a astrologia se separaram?
Tecmundo
Na história das ciências naturais, nenhuma outra ocupa um lugar tão peculiar e especial como a astronomia. Não apenas porque é a mais antiga entre todas, mas também porque estudar o céu é estudar também a matemática, a física, a química, a biologia, a filosofia e diversos outros conhecimentos humanos.
A origem da astronomia remonta ao desenvolvimento da humanidade desde os primórdios , quando as estruturas das atividades sociais eram completamente diferentes do que são hoje. Os predecessores dos astrônomos modernos na investigação do Cosmos foram sacerdotes babilônios e egípcios, príncipes árabes e assírios, filósofos gregos e monges medievais. Todos estes eram também astrólogos.
Hiparco de Alexandria, um dos mais célebres astrônomos da antiguidade.
A astrologia, além da alegada predição do futuro, é definida por meio do estudo das supostas relações dos movimentos e posições planetárias com a personalidade humana. Hoje considerada como pseudociência pela maioria dos acadêmicos e especialistas – isto é, afirma valer-se de relações científicas de modo incompatível com o método científico –, a astrologia compartilha um passado comum com a astronomia.
Em tempos pré-modernos, astrologia e astronomia eram uma só disciplina, sem distinção entre os papéis do astrônomo, estudioso da mecânica celeste, e o astrólogo, seu intérprete: ambas as funções eram desempenhadas pela mesma pessoa.
Tabuleta Babilônica de Sippar, construída em 870 A.C., mostrando o deus-Sol Shamash.
A maioria dos historiadores da ciência concorda que as disciplinas gêmeas tiveram sua origem comum na antiga Babilônia, cerca de 5 mil anos atrás. Devido à necessidade de construir um calendário lunar detalhado para rastrear a subida das águas dos rios Tigre e Eufrates para a agricultura de planície, os babilônios tornaram-se mestres em observação astronômica.
No céu noturno, embora as estrelas sigam um curso regular de leste a oeste à medida que as horas avançam, os planetas não fazem assim sempre: por vezes parecem se mover para trás e depois para frente na sua trajetória. Esse comportamento errático de alguns planetas – Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, conhecidos à época – através da faixa do zodíaco levou os babilônios à crença de que os planetas eram deuses possuidores de forças próprias.
Trajetória aparente retrógrada de Marte no céu noturno.
Por volta do século 6 a.C., os sacerdotes babilônios identificaram as constelações que marcam a faixa zodiacal em doze segmentos de trinta graus cada, dando origem aos signos astrológicos. Nessa época, o zodíaco servia tanto como um marcador de referência para mapear os movimentos do Sol, da Lua e dos planetas, como para fazer previsões astrológicas . Por sua vez, os primeiros registros dos horóscopos remontam à 450 a.C., durante a ocupação persa da Mesopotâmia.
Com o passar do tempo, os astrônomos-astrólogos que faziam previsões essencialmente para as famílias reais dos impérios e das dinastias, passaram a disseminar a prática dos horóscopos pessoais. Estes previam o futuro, a personalidade e até a duração de vida de uma criança a partir das posições planetárias no momento do nascimento.
Algumas das constelações zodiacais no céu noturno.
Ao entrar na era comum, a astrologia foi amplamente aceita na Europa medieval, devido à tradução para o latim dos textos astrológicos helenísticos e árabes. No final da Idade Média, porém, a aceitação da astrologia passou a decair sucessivamente, dependendo de sua recepção nas cortes reais da Europa.
Somente com a influência de Francis Bacon, um dos pais do método científico, no século XVI, a astrologia foi formalmente rejeitada como parte da metafísica escolástica (principal referência filosófica à época) em vez da observação empírica. Uma separação mais definitiva entre astrologia e astronomia no Ocidente ocorreu gradualmente no final do século XVI e ao longo dos séculos XVII e XVIII, quando a astrologia foi cada vez mais considerada como superstição pela elite intelectual, principalmente graças ao impacto dos trabalhos da dinâmica planetária de Johannes Kepler e da gravitação de Isaac Newton.
Por causa de sua longa história compartilhada, até hoje há uma comum confusão entre as áreas de atuação e as fronteiras entre a astronomia e a astrologia. Muitos astrólogos contemporâneos, rejeitam a afirmação que a astrologia é uma ciência, considerando-a uma forma de adivinhação, uma arte ou parte de uma estrutura de crença espiritual.
M57, a Nebulosa do Anel.
Seja como for, nossos ancestrais acreditavam que o céu noturno oferecia uma janela aberta para o Universo. Eles estavam certos. Por causa desse fascínio inicial pelas estrelas, agora temos boas evidências de que a natureza cósmica obedece um conjunto de leis físicas que, de fato, podem ser usadas para prever o futuro com uma precisão que impressiona até mesmo os cientistas.
Daqui a dois, cinco ou dez mil anos, talvez os futuros astrônomos olhem para esse instante da história, para a nossa fronteira científica atual, e achem graça de nossa ingenuidade. Mas, como os antigos, nossos motivos são puros. Temos boas razões para esperar que o futuro seja gentil e continue apreciando nossas ousadas tentativas de entender o céu.