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O longo e explosivo conflito entre árabes e judeus
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O longo e explosivo conflito entre árabes e judeus

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Aventuras Na História
11/10/2023 19h19
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No início de 1939, o judeu romeno Shlomo Green encontrou nas turbulentas águas do mar Negro sua estrada para a terra prometida. Nascido no vilarejo de Glug, fronteira com a Bulgária, Green tinha cerca de 30 anos quando resolveu juntar-se à multidão que embarcava nos portos de Constanza, na Romênia, rumo a um país que ainda não existia.

Eram centenas de milhares de homens, mulheres e crianças, todos de religião ou sangue judaico, vindos de diversas partes da Europa, como Alemanha, Áustria e Tchecoslováquia. Na época, o litoral da Romênia era o caminho marítimo mais rápido e seguro para a Terra Santa – aquele conturbado pedaço do Oriente Médio, saturado de história e misticismo, encruzilhada de culturas e civilizações, que para os judeus se chama Eretz Israel e para os árabes, Filistéia ou Palestina.

Do final do século 19 até 1947, meio milhão de pessoas fizeram a aliá (palavra hebraica que designa a viagem ou migração para a Terra Santa). Seu objetivo: criar um Estado judaico, derradeiro refúgio contra as perseguições e a intolerância que pontuaram a história dos hebreus na Europa desde a Idade Média.

Essa ideia visionária ganhou corpo na década de 1890, nas páginas de livros e panfletos escritos por um grupo de judeus do norte da Europa – era o sionismo, movimento batizado em homenagem a Sion, antigo nome de Jerusalém.

Arapuca colonialista

Para virar realidade, o sonho de Sion teve de entrar no xadrez estratégico das grandes potências. Quando começou o grande êxodo judaico, a Palestina era uma província do Império Otomano, um Estado colossal que ocupava o norte da África, boa parte do Oriente Médio e pedaços do leste europeu. Desde meados do século 19, esse gigante estava cansado, empobrecido e de pernas frouxas. Enquanto o colosso decaía, as potências europeias lançavam olhares gulosos a seus futuros despojos. Em especial, a Grã-Bretanha, então no auge de suas ambições imperialistas.

Durante a Primeira Guerra Mundial, os turcos aliaram-se ao lado perdedor, o eixo formado por Alemanha e Império Austro-Húngaro – e a Inglaterra aproveitou a ocasião para armar uma arapuca colonialista. Por um lado, fechou alianças com as tribos árabes que penavam sob o domínio dos turcos, prometendo-lhes soberania e independência, em troca de ajuda militar na guerra contra otomanos e alemães. Ao mesmo tempo, o governo britânico comprometeu-se com a criação de um Estado judaico na célebre Declaração Balfour, de 1917. Com sua política de promessas dúbias, a Inglaterra plantou a semente da discórdia entre árabes e judeus.

Em 1919, o Império Otomano desmembrou-se e a Palestina passou ao domínio britânico. Ao mesmo tempo, a migração judaica deixava de ser um sonho romântico e tornava-se necessidade de sobrevivência. Quando nosso conhecido Shlomo Green deu o derradeiro adeus às costas da Romênia e começou sua aliá, em 1939, o vírus do nazismo já havia gangrenado boa parte da Europa.

Naquele mesmo ano, pouco após o desembarque de Shlomo na Palestina, estourava a Segunda Guerra Mundial – e a Alemanha de Hitler deu início ao maior genocídio da história moderna. Ao fim da guerra, o horror do Holocausto foi revelado em sua macabra enormidade.

Isso convenceu o mundo ocidental de que a criação de um Estado judeu era urgente e inevitável. Em 29 de novembro de 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) votou pela partilha da Palestina, espalhando uma onda de euforia pelas populações judaicas do mundo inteiro. Vitória suprema do sionismo, a criação de Israel marcou o início das lutas, desventuras e tragédias de outro povo, dando a largada para o conflito mais longo e explosivo da história contemporânea. Para entender tudo isso, é preciso olhar o outro lado da moeda e descobrir por que os árabes chamam a partilha da Palestina de Al-Nakba – a Catástrofe.

Na década de 1890, quando propagavam a ideia da migração em massa para o Oriente Médio, os ideólogos sionistas haviam cunhado um slogan famoso: “A Palestina é uma terra sem povo para um povo sem terra”. Mas a realidade era outra, completamente distinta: em fins do século 19, a região já era habitada por centenas de milhares de muçulmanos e cristãos que chamavam a si mesmos de filisteus ou palestinos. Eram descendentes dos árabes que chegaram à região por volta do século 7º e de povos muito mais antigos – como os cananeus, que já estavam na chamada Terra Santa milhares de anos antes de Cristo.

Em pé de guerra

Para quem lê as manchetes de jornais, a rivalidade entre judeus e árabes pode parecer a coisa mais natural do mundo. Mas a verdade é que essa luta fratricida só começou depois da década de 1920. Espelhando-se em séculos de convivência e trocas culturais, árabes e sionistas sentaram-se para negociar em 1919. Foi naquele ano que uma assembléia de diplomatas árabes convidou Chaim Kalvarisky – um dos líderes sionistas mais ponderados da época – para debater uma solução que acomodasse os interesses judeus e palestinos. Uma série de reuniões ocorreu em Damasco, na Síria.

Em 1922, os dois lados chegaram a um acordo que poderia ter poupado décadas de conflito. “Sua ideia era criar um Estado único, com liberdade religiosa plena e participação política para todos os grupos étnicos da Terra Santa – pretendiam, inclusive, instituir o ensino do hebraico e do árabe em todas as escolas”, escreve o historiador Howard Sachar em History of Israel. Mas essa utopia teve vida bastante curta. Naquele mesmo ano, a Assembleia Nacional do Yishuv (a comunidade judaica na Palestina) recusou a proposta do Estado multinacional.

A decisão refletia, em parte, a mão pesada da Grã-Bretanha: para manter sua hegemonia absoluta, o governo inglês não queria saber de acordos alternativos entre os povos dominados. Naquele mesmo ano, proibiu qualquer tipo de negociação entre a Organização Sionista e os árabes.

“Depois disso, a liderança sionista não teve mais interesse em negociar com a população local e isso gerou uma hostilidade crescente, que acabaria explodindo em uma série de revoltas violentas”, diz o historiador Paulo Fagundes Vizentini, especialista em História Contemporânea e autor do livro Relações Internacionais na Ásia e na África. “Em 1947, a Terra Santa estava em pé de guerra, com os dois lados atacando e retaliando. Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha havia perdido muito do antigo poder e já não era capaz de conter o caos no Oriente Médio. Por isso, resolveu passar a batata quente para as Nações Unidas.”

Expulsão

No momento da partilha, quase meio milhão de árabes palestinos viviam no território destinado ao Estado de Israel. No conflito generalizado que se seguiu, a maior parte dessa população acabou expulsa por tropas sionistas ou debandou em pânico ante massacres como o de Deir Yassin, em que 250 camponeses árabes foram trucidados por grupos radicais. Nenhum dos refugiados voltou para casa. Suas terras foram desapropriadas. Suas vilas, derrubadas e rebatizadas com nomes hebraicos. Começava a “diáspora palestina”.

No meio disso tudo, onde foi parar Shlomo Green? Sionista patriota, ele uniu-se ao Haganah, o Exército israelense, em 1948. Lutou por seu país, contra os árabes, nos dois rounds seguintes: a invasão de Suez, em 1956, e a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Em 1980, aposentado do serviço militar, Shlomo vivia em um apartamento na cidade de Haifa, no norte de Israel, quando recebeu a visita de um jornalista britânico.

O visitante contou-lhe a história da família Damiani – árabes cristãos que tiveram suas terras desapropriadas em 1948 e agora viviam como exilados em Beirute, no Líbano. O apartamento de Shlomo Green ficava no exato lugar em que os Damiani haviam vivido, mas nenhum vestígio deles restava por lá. Ao ouvir essa história, o sobrevivente do Holocausto chorou. “Tudo o que posso dizer é que nossos povos são personagens de uma grande tragédia”, disse. Uma tragédia dupla – que ainda está longe do fim.

Embrião de um "lar nacional"

A primeira centelha do Estado de Israel flamejou em solo europeu: o sionismo foi uma entre muitas ideologias nacionalistas que pipocaram na Europa do século 19. Na época, o mapa do continente transformava-se sob a influência do “princípio das nacionalidades” – de acordo com essa doutrina política, todos os grupos étnicos têm o direito de governar a si mesmos, em Estados independentes e soberanos.

Foi seguindo essa filosofia que Alemanha e Itália, picotadas desde a Idade Média, se unificaram – e povos que viviam sob domínio estrangeiro, como os poloneses e os gregos, passaram a lutar por sua independência. Essas ideias logo seduziram intelectuais, artistas e líderes religiosos de origem judaica, em diversas partes da Europa.

Mas havia um obstáculo aparentemente intransponível no caminho de sua autodeterminação. Por volta do século 1º, o Império Romano havia expulsado os antigos hebreus da Terra Santa. Desde então, eles vagaram pelo mundo sem um território próprio.

A doutrina sionista pretendia desatar esse nó. Em 1896, o judeu húngaro Theodor Herzl – figura de proa do sionismo e herói quase mítico para os israelenses – publicou a obra Der Judenstaat (O Estado Judeu). Nela, propunha que os judeus do mundo inteiro migrassem de forma maciça para a Palestina e lá criassem um “lar nacional”. No ano seguinte, os líderes do movimento reuniram-se na cidade de Basiléia, na Suíça, e fundaram a Organização Sionista Mundial, que passou a patrocinar o êxodo para o Oriente Médio.

No início, o principal instrumento da liderança sionista era a diplomacia e a propaganda. Mas, por volta de 1925, ganhou força um movimento paralelo conhecido como “sionismo revisionista” – para seu líder, Zeev Jabotinsky, o ideal patriótico de Eretz Israel justificava métodos violentos.

No rastro de Jabotinsky, surgiram grupos radicais como o Irgun e a Gangue Stern, responsáveis por uma série de atentados terroristas contra britânicos e árabes na Palestina durante a década de 1930.


*Nota da redação: O texto que você acabou de ler faz parte do especial 'Israel: 60 anos da criação de um Estado', edição lançada pela Revista Aventuras na História em maio de 2007. 

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do TIM NEWS, da TIM ou de suas afiliadas.
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