Quando o exército brasileiro tirou a vida de crianças paraguaias
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Aventuras Na História
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A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi o maior e mais sangrento conflito armado da história da América do Sul. De um lado, o Paraguai, governado por Francisco Solano López; do outro, a Tríplice Aliança, formada por Brasil, Argentina e Uruguai.
O conflito devastou o Paraguai, reduzindo sua população pela metade e resultando na morte de 80% dos homens adultos. Entre os episódios mais brutais da guerra, destaca-se a Batalha de Acosta Ñu, na qual milhares de crianças paraguaias foram massacradas pelo exército brasileiro.
A estratégia de Solano López
Francisco Solano López assumiu o governo do Paraguai após a morte de seu pai, Carlos Antonio López, e manteve uma política expansionista e militarista. O Paraguai, sem acesso ao mar, via-se cercado por potências regionais que disputavam o controle da Bacia do Prata.
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A guerra foi deflagrada quando Solano Lópezinterveio no conflito entre Brasil e Uruguai, declarando guerra ao Império do Brasil e, posteriormente, à Argentina, ao invadir a província de Corrientes.
Solano López confiava na capacidade defensiva do Paraguai, que possuía um exército bem treinado e fortificações ao longo do Rio Paraguai. No entanto, à medida que a guerra avançava, as derrotas se acumulavam e a população civil foi progressivamente envolvida no conflito.
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Mulheres e crianças passaram a desempenhar papéis fundamentais na luta, tanto na logística quanto no combate direto.
A entrada da Argentina
Inicialmente, a Argentina se manteve neutra no conflito, pois o presidente Bartolomé Mitre hesitava em se envolver diretamente. No entanto, a invasão da província de Corrientes pelo Paraguai forçou o governo argentino a aderir à Tríplice Aliança em 1865, selando o destino do Paraguai.
A guerra, que no início parecia equilibrada, virou drasticamente a partir de 1866, com a superioridade numérica e logística dos aliados se impondo.
As batalhas de Tuyutí e Curupaiti foram pontos de virada. Tuyutí foi uma das maiores derrotas do Paraguai, com perdas humanas catastróficas. Em Curupaiti, a resistência paraguaia impediu um avanço imediato, mas não evitou a progressiva destruição do país.
A guerra passou a ser de aniquilação, e a ofensiva brasileira, agora liderada pelo futuro duque de Caxias, transformou-se em um cerco brutal contra as últimas forças paraguaias.
O massacre de Acosta Ñu
Com o exército paraguaio praticamente aniquilado em 1869, a guerra assumiu um caráter de destruição total. A ordem das forças aliadas era caçar Solano López até sua morte, o que levou a confrontos cada vez mais desesperados.
No dia 16 de agosto de 1869, ocorreu a Batalha de Acosta Ñu (conhecida no Brasil como Batalha de Campo Grande). Do lado paraguaio, o exército era composto, em sua maioria, por crianças e adolescentes entre 9 e 15 anos, alistados após a perda dos soldados adultos.
Segundo o historiador Fabián Chamorro, "Acosta Ñu foi um verdadeiro massacre". Cerca de 3.500 combatentes paraguaios enfrentaram 20.000 soldados brasileiros, que estavam muito melhor armados e treinados.
O relato do general brasileiro Dionísio Cerqueira, que participou da batalha, descreve a brutalidade do evento: "Que luta terrível entre a piedade cristã e o dever militar! Nossos soldados diziam que não lhes dava gosto lutar contra tantas crianças".
Apesar da desproporção, os jovens paraguaios resistiram ferozmente por cerca de 10 horas. Mas, ao fim do dia, quase nenhum sobreviveu. As baixas do lado brasileiro foram insignificantes.
Testemunhas relatam que crianças tentaram fugir do campo de batalha e se agarravam às pernas dos soldados brasileiros, implorando por suas vidas, mas eram impiedosamente degoladas. Segundo a historiadora Barbara Potthast, "o mais impressionante é que, segundo alguns relatos, os jovens paraguaios não choravam, mesmo quando feridos".
Memória do massacre
A brutalidade da batalha foi tão marcante que, em 1948, o governo paraguaio oficializou o dia 16 de agosto como o Dia das Crianças, em homenagem aos "meninos mártires de Acosta Ñu". Desde então, essa data tem sido lembrada como um símbolo da identidade nacional do Paraguai, reforçando a narrativa do heroísmo e sacrifício.
A Guerra do Paraguai não foi apenas um conflito militar; foi uma guerra de extermínio. O conceito de "Guerra Total" foi aplicado sem piedade, destruindo um país inteiro e marcando para sempre sua história. Como aponta Chamorro, "não havia necessidade de uma caçada tão impiedosa contra uma população civil já destroçada".
Acosta Ñu permanece como um dos episódios mais cruéis da história latino-americana. Enquanto no Brasil a batalha é pouco lembrada, no Paraguai ela se tornou um marco da resistência nacional, um testemunho da brutalidade da guerra e do preço pago por uma nação que ousou enfrentar as potências vizinhas. A memória das crianças massacradas em Acosta Ñu segue viva, lembrando ao mundo das cicatrizes deixadas pela guerra.
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