Lords of the Fallen (2023) é competente, mas descuidado em execução - review
Tecmundo
Existem poucas certezas na vida, mas uma delas é que todo ano veremos um montão de games buscando inspiração no jeito From Software de fazer jogo. Não à toa, Dark Souls , Bloodborne , Sekiro e Elden Ring estão entre as obras mais aclamadas dos últimos tempos. Portanto, é compreensível que as desenvolvedoras queiram ter seus produtos atrelados de alguma forma às produções da empresa japonesa.
Seja você um apreciador ou não da fórmula soulslike, a realidade é que as mecânicas concebidas pela equipe de Hidetaka Miyazaki em Demon's Souls , criado num longínquo 2009, continuam sendo utilizadas e reproduzidas até hoje por outras produtoras. O soulslike tornou-se tão influente que seus princípios são replicados mesmo em jogos que não incorporam a dificuldade como um dos principais elementos da experiência.
Para quem não se lembra, Lords of the Fallen (2014) foi um dos primeiros, senão o primeiro, a se inspirar de maneira explícita nos trabalhos da From Software, um jogo cuja principal característica era, digamos, emular o estilo de Dark Souls. Como é comum que a primeira tentativa quase sempre dê errado, o game da Deck13 Interactive, que mais tarde ganhou o merecido reconhecimento em The Surge 2 , ficou apenas marcado como o pioneiro dos muitos clones que surgiram depois.
Agora, sob os cuidados do estúdio Hexworks, Lords of the Fallen (2023) busca revitalizar a franquia com uma aventura situada no mesmo universo do jogo original, porém mil anos adiante, com o objetivo maior de se desprender do passado. Diferentemente de seu antecessor, a versão de 2023 não carrega o fardo de estar à sombra de Dark Souls e traz ótimas ideias, apesar do descuido na execução de muitas delas.
À primeira vista, Lords of the Fallen pode parecer o soulslike padrão que conhecemos: dificuldade elevada, combate preciso e coreografado contra inimigos impiedosos, áreas interconectadas de forma inteligente, atmosfera opressora e uma narrativa contada nas entrelinhas, facilitada pelo fato de o jogo possuir textos em português do Brasil. Em resumo, todas as características que moldam um bom jogo de ação estão presentes.
Embora apresente elementos familiares, Lords of the Fallen se lança em um esforço ambicioso ao renderizar dois mundos simultaneamente na Unreal Engine 5, com personagens e inimigos distintos em cada um deles, um aspecto que acrescenta singularidade à experiência. Você, ao assumir o papel de um portador da lâmpada, parte em uma tarefa para impedir a ressurreição de Adyr, uma divindade demoníaca que outrora já havia assolado as terras de Mournstead.
O principal atrativo reside na possibilidade de transitar entre Axiom, a dimensão dos vivos, e Umbral, o angustiante mundo dos mortos, em tempo real, com apenas uma simples combinação de botões. Com o auxílio da lâmpada Umbral, uma relíquia sobrenatural que você adquire logo no início da história, é possível resolver quebra-cabeças bidimensionais e abrir caminhos para itens e locais escondidos em ambos os reinos. Inclusive, com ela, é possível extrair a alma dos inimigos, tornando-os temporariamente vulneráveis a ataques.
No melhor estilo Soul Reaver , a troca de planos assegura uma nova camada de complexidade à exploração e ainda estimula o jogador a revisitar trechos já descobertos sob uma perspectiva diferente. O senso de descoberta, aliás, destaca-se como um dos pontos altos do título. Apesar de Lords of the Fallen se apresentar mais linear para aqueles que buscam uma jornada mais direta, ele também entrega dezenas de horas de gameplay a quem deseja desbravar as áreas ocultas, geralmente escondidas e acessíveis apenas aos que possuem uma chave específica.
Ao entrar no reino dos mortos, entidades fantasmagóricas surgem o tempo todo para perturbar sua viagem, mas esses encontros garantem bônus valiosos de vigor, os pontos – as almas – que você utiliza para evoluir os atributos do personagem. No fim das contas, dependendo da situação, acaba sendo vantajoso se expor um pouco mais no Umbral.
Além de ampliar os mapas e funcionar como um local propício para acumular experiência, o reino dos mortos também oferece ao jogador uma vida extra, uma segunda chance no caso de ser derrotado na dimensão dos vivos. Para muitos, ter essa segunda oportunidade suaviza a dificuldade, mas eu enxergo isso como algo positivo, um recurso planejado para contornar as frequentes mortes gratuitas que ocorrem nesse tipo de game.
O problema, aqui, é que renderização simultânea de dois mundos, com inimigos específicos em cada um, cada qual com sua própria inteligência artificial, pesou demais. Sabemos do comprometimento da produtora em lançar atualizações para resolver os vários problemas técnicos, como quedas significativas de desempenho e falhas no carregamento de texturas.
No entanto, mesmo com tantas atualizações pós-lançamento, o título ainda está aquém do aceitável. Você já teve aquela sensação de que um jogo está prestes a fechar e travar o seu PC ou console? Bem, é assim quase que o tempo todo.
Jogando no Xbox Series X para o propósito de análise, decidi interromper a jogatina na semana de lançamento para aguardar as próximas atualizações, tamanha frustração com o desempenho. Para um jogo que exige reflexos rápidos e precisão nos comandos, Lords of the Fallen se mostra, ao menos na condição atual, um jogo mais difícil que o normal. Não por mérito, mas por estar mal otimizado.
Apesar das ressalvas em relação à performance, Lords of the Fallen se sai bem no visual, sobretudo por ter sido concebido na Unreal Engine 5. Isso resulta em uma experiência verdadeiramente next-gen, algo que poucos jogos conseguem alcançar, mesmo considerando que o PlayStation 5 e o Xbox Series S|X estão prestes a completar três anos de vida.
Mournstead é um local que serviria de inspiração para muitas capas de álbuns de heavy metal, pois suas referências vêm de todos os lados: arquitetura gótica, horror cósmico e, claro, fantasia medieval. Pântanos, vilarejos em chamas, florestas sombrias e cidades em ruínas são apenas alguns dos ambientes que você percorre como portador da lâmpada. Há, inclusive, uma elegante área que nos remete às catedrais de Anor Londo, a cidade do Sol do primeiro Dark Souls.
Se compararmos o combate da versão antiga de Lords of the Fallen com a nova, lado a lado, é como se o jogo de 2014 estivesse em câmera lenta. O personagem ainda tem aquele peso, possivelmente uma característica preservada da franquia, mas sua movimentação é ágil, mesmo em builds mais robustas, e as animações entregam uma fluidez que não se vê em outros soulslikes.
A esquiva funciona muito bem, tal qual o parry, cuja janela de aparar é generosa (fica a lição para Lies of P ), resultando em uma finalização bastante satisfatória ao final da ação. Defender também é uma opção, embora a recompensa seja maior a quem adota uma postura ofensiva, especialmente no mundo dos mortos.
Em meio a tantas qualidades que o combate tem, há uma curiosa falha na animação de ataque, isso em certos tipos de classe, algo que me incomodou além do normal nas mais de 50 horas que levei para concluir o jogo – um tempo inflado, é verdade, muito por ter dedicado tempo ao farming de vigor.
Ao realizar um ataque, o personagem avança dois passos à frente, fazendo o jogador perder não só o controle como também sua noção de espaço por alguns segundos. Durante os combos, o movimento errático é tão intenso que lembra uma coreografia de patinação no gelo.
Isso passa a ser um problema porque muitas áreas do jogo consistem em corredores estreitos e labirínticos, em que um passo em falso pode arruinar o progresso. Creio que seja uma solução da desenvolvedora pensada em prol da dificuldade, de modo a fazer o jogador ser ainda mais cauteloso, mas eu a considero desnecessária.
Há muito de Demon's Souls em Lords of the Fallen, mais do que você possa imaginar. Apesar de o novo Lords ser ambientado em um mundo aberto interconectado à la Dark Souls, com atalhos que brotam em pontos inesperados, sua verdadeira dificuldade, tal qual Demon's Souls, se encontra no caminho até o boss, não na batalha contra o chefe em si – e muitos deles nem sequer possuem uma segunda fase.
Não estou afirmando que todos os chefes são fáceis, longe disso, mas você vai investir muito mais tempo tentando descobrir o trajeto até eles, enfrentando inúmeras armadilhas e uma infinidade de inimigos durante o percurso. Não só isso: as fogueiras, denominadas vestígios aqui, são tão escassas quanto chuva no deserto. Às vezes, há apenas uma por área, embora você possa usar uma semente para criar seu próprio checkpoint, um recurso que traz frescor à fórmula, mas que não pode ser usado sempre.
Outro ponto que contribui para desarmonizar a experiência é o fato de que todas as áreas estão sempre abarrotadas de monstros. Em outras palavras, o desafio acaba sendo desproporcional e destoa do conceito de dificuldade orgânica aplicado pela From Software em todas as suas obras.
Lords of the Fallen tenta se portar como um hack and slash em diversas ocasiões, mas o seu gameplay deixa muito a desejar quando requer que o jogador enfrente diversas criaturas – que, por sinal, não vão desistir de persegui-lo tão cedo. Além disso, os snipers são apresentados em grande quantidade, uma vez que disparam magias teleguiadas de forma rápida e imprevisível, transformando o protagonista num alvo fácil de ser abatido.
Talvez você esteja achando que a reclamação se deve pela dificuldade elevada, porém não é esse o caso. Lords of the Fallen não é sobre memorizar padrões de movimento a fim de encontrar a melhor brecha para atacar; ao contrário, o game propõe combates desiguais contra inimigos comuns para vencer o jogador pelo cansaço. Em Lords of the Fallen, a melhor estratégia é, por mais irônico que seja, evitar o desafio, embora esse comportamento devesse ser uma exceção.
Entre altos e baixos, alguns erros e muitos acertos, Lords of the Fallen é um soulslike corajoso, com muitas ideias promissoras no papel. Apesar de aderir de forma consistente às convenções do gênero (ou subgênero, como preferir), ele se esforça de diversas maneiras para conquistar sua própria identidade.
Dedicado à exploração e às mecânicas de desbravar reinos paralelos ao mesmo tempo, o novo Lords também se sobressai no combate e na riqueza de seu mundo, apesar da dificuldade artificial, da má otimização e dos muitos problemas técnicos que ainda encobrem parte da diversão.
No fim, o saldo do game é positivo, mas deixa um gosto amargo de que poderia ter sido muito melhor, considerando o seu escopo e as expectativas geradas desde o momento de sua revelação. Trata-se de um soulslike competente fora do eixo From Software, só não é “o melhor”, como muitos imaginavam que pudesse ser.
Nota do Voxel: 75
Pontos positivos
Pontos negativos
Lords of the Fallen foi gentilmente cedido pela CI Games para a realização desta análise no Xbox Series X. O jogo também está disponível no Xbox Series S, PC e PS5.